A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, reduziu a multa de R$ 5 milhões que tinha sido aplicada à empresa de energia Raízen (atual nome da Shell Brasil Ltda.) por descumprir ordem judicial para retirar equipamentos de um terreno alugado e reparar os danos ambientais causados pelo funcionamento de um posto de combustíveis no local. O colegiado entendeu que a decisão que fixa as astreintes, passível de revisão a qualquer tempo, deve ser proporcional ao valor da obrigação principal, de modo a evitar o enriquecimento sem causa.
Em liquidação de sentença, a multa diária por descumprimento das obrigações determinadas judicialmente chegou ao valor acumulado de mais de R$ 23 milhões, o qual foi posteriormente reduzido para R$ 5 milhões pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). A corte estadual apontou que a empresa se manteve sem cumprir a ordem de desocupação do imóvel por seis anos, mas, por considerar excessivo o valor inicial, reduziu o montante para R$ 5 milhões.
Ao STJ, a empresa alegou que os proprietários obteriam um benefício excessivo, já que a multa ultrapassa o valor que devem receber, a título de danos materiais, pelo período em que o imóvel não pôde ser utilizado.
Jurisprudência admite a fixação de teto para a cobrança da multa diária
O relator do recurso, ministro João Otávio de Noronha, destacou que é pacífico no STJ o entendimento de que a decisão que impõe astreintes não está sujeita à preclusão nem faz coisa julgada material. Além disso, o parágrafo 6º do artigo 461 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973 – realocado, com ajustes, no artigo 537, parágrafo 1º, do atual CPC – confere expressamente ao magistrado a prerrogativa de alterar, de ofício, o valor ou a periodicidade da multa quando ela se revelar insuficiente ou excessiva.
Segundo Noronha, a revisão das astreintes deve observar critérios de proporcionalidade, levando em conta a relevância do bem jurídico tutelado e o valor da obrigação principal, a fim de evitar enriquecimento sem causa.
Ele observou que, em consonância com esse entendimento, o STJ tem admitido, em hipóteses excepcionais de manifesta desproporção, não apenas a redução do valor acumulado, mas também a fixação de um teto para a sua cobrança, de modo a preservar o equilíbrio entre a multa e a obrigação principal.
TJRS atribuiu parte da demora à burocracia municipal
No caso dos autos, o ministro concluiu que não seria razoável admitir que a multa ultrapassasse o parâmetro adotado para cálculo dos danos materiais, os quais foram apurados com base no valor de locação do imóvel. Para o relator, essa conclusão se impõe não apenas devido à observância dos critérios da importância do bem jurídico tutelado e do montante da obrigação principal, mas também diante da premissa fática, fixada pelo TJRS, de que parte da demora no cumprimento da ordem judicial decorreu de entraves burocráticos atribuíveis ao próprio município.
“Desse modo, considerando todos os aspectos acima referidos, aliados ao fato de que não há nos autos maiores referências sobre o valor locatício do bem, a não ser o dado genérico de que estaria vinculado a percentual de comissões estabelecidas pelo Conselho Nacional do Petróleo e às compras mensais de combustíveis, entendo ser o caso de determinar que a multa cominatória objeto da liquidação tenha como limite o valor da obrigação principal, traduzida no montante dos danos materiais a serem apurados nos autos”, concluiu ao dar parcial provimento ao recurso da empresa.