Em uma série de precedentes recentes, o Superior Tribunal de Justiça tem reafirmado a necessidade de que o réu submetido ao Tribunal do Júri — espaço em que sete cidadãos leigos decidem sobre crimes dolosos contra a vida — seja julgado sob condições que preservem sua dignidade e a aparência de inocência. O conjunto das decisões revela um esforço institucional para concretizar a presunção de inocência não apenas como regra processual, mas também como valor simbólico projetado na imagem do acusado perante os jurados.
Aparência e tratamento do réu como dimensão da imparcialidade
O STJ tem reiterado que a forma como o acusado é apresentado em plenário pode influenciar indevidamente a percepção dos jurados. Por isso, no AREsp 1.053.049, a Sexta Turma, sob relatoria do ministro Sebastião Reis Júnior, reconheceu a nulidade de um julgamento em que o réu permaneceu algemado durante toda a sessão. A decisão enfatizou que o uso de algemas, fora das hipóteses excepcionais de risco concreto de fuga ou ameaça à segurança, viola a Súmula Vinculante 11 e afronta a presunção de inocência, sobretudo porque projeta imagem de culpabilidade antecipada.
Na mesma linha, a Quinta Turma, no HC 778.503, decidiu que o réu não pode ser obrigado a usar uniforme prisional durante o julgamento. A relatora, ministra Daniela Teixeira, destacou que o uso de roupas civis é componente da dignidade da pessoa humana e assegura neutralidade simbólica perante o conselho de sentença. A decisão invocou as Regras de Mandela, da ONU, segundo as quais o preso que comparece a ato público deve ser autorizado a usar vestes que não o identifiquem como recluso.
Presunção de inocência e o direito de ser visto como cidadão
Ainda sob relatoria da ministra Daniela Teixeira, o AgRg no HC 768.422 consolidou o entendimento de que o réu deve permanecer de frente para o corpo de jurados durante o julgamento. A postura física, segundo a decisão, integra o tratamento digno e a visibilidade humana do acusado, sendo inadmissível que ele fique de costas para seus julgadores. O ato de virá-lo ao público é expressão da presunção de inocência e da necessidade de contato visual com quem decidirá sobre sua liberdade ou sua vida.
Em outro precedente, o AREsp 2.773.066, relatado pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca, reafirmou que a mera menção ao silêncio do réu, sem uso argumentativo para sugerir culpa, não gera nulidade. O colegiado lembrou que o art. 478, II, do CPP veda o uso do silêncio contra o acusado, mas que a simples referência factual, desprovida de conotação negativa, não compromete a lisura do julgamento.
Excepcionalidade da videoconferência e segurança pública
Já no RHC 181.653, relatado pela ministra Laurita Vaz (aposentada), a Sexta Turma admitiu a realização de interrogatório por videoconferência em casos de réus de altíssima periculosidade. O tribunal entendeu que a medida, desde que devidamente fundamentada e acompanhada de garantias de comunicação privada com o defensor, não viola o direito de defesa nem o princípio da plenitude de defesa no júri. O precedente harmoniza a proteção à segurança pública com a preservação das garantias processuais.
Um mesmo núcleo de sentido: a imagem do inocente
A leitura sistemática dos julgados revela um eixo comum: o STJ vem assegurando que o réu seja tratado e percebido como inocente até decisão definitiva, não apenas juridicamente, mas também visualmente. Algemas, roupas, postura e enquadramento simbólico se tornaram expressões concretas de direitos fundamentais.
No Tribunal do Júri, onde a convicção dos jurados é íntima e não motivada, a neutralidade simbólica é condição de legitimidade. As decisões do STJ traduzem essa sensibilidade: garantir o direito de defesa é, também, proteger a imagem da inocência.
STJ: No Tribunal do Júri réu deve ter garantias que assegurem a presunção de inocência
STJ: No Tribunal do Júri réu deve ter garantias que assegurem a presunção de inocência
