A repactuação se insere no conjunto de instrumentos destinados à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, ao lado do reajuste e da revisão. Esses mecanismos decorrem do princípio constitucional implícito da preservação da equação contratual, extraído do art. 37, XXI, da Constituição, que impõe à Administração Pública o dever de manter, durante toda a execução do contrato, as condições efetivas da proposta.
É cediço no Direito Administrativo que, nos contratos de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra, o aumento de custos decorrente de alteração superveniente e compulsória no piso salarial da categoria — como reajustes estabelecidos por Convenções Coletivas de Trabalho — não constitui risco ordinário do contratado, mas fato que impõe à Administração o dever de recompor a equação econômico-financeira da avença.
Tal recomposição, operada pelo mecanismo da repactuação, protege o contratado de prejuízo e assegura a continuidade do serviço público, materializando o comando constitucional do art. 37, inciso XXI, que veda a distorção econômica da proposta originalmente vencedora.
A repactuação diferencia-se do reajuste. Enquanto o reajuste recompõe o valor frente à inflação do período, a repactuação corrige alterações reais e compulsórias nos custos, como: aumento do piso salarial por CCT, sentença normativa ou acordo coletivo; aumento de benefícios obrigatórios (auxílio-alimentação, tíquete, plano de saúde se previsto em norma coletiva); variações de encargos sociais atrelados ao salário.
O direito surge uma vez por ano, contado a partir da data-base da categoria profissional, e independe de previsão expressa no contrato, pois decorre da lei — originalmente do art. 65, §5º, da Lei 8.666/1993, hoje reproduzido e ampliado pelos arts. 40, 124 e 137 da Lei 14.133/2021.
A jurisprudência do TCU é pacífica ao afirmar que, uma vez demonstrado o aumento salarial e sua repercussão nos custos, a Administração não pode transferir o prejuízo ao contratado, sob pena de enriquecimento sem causa e violação da equação econômico-financeira, núcleo duro do regime jurídico dos contratos públicos.
Aplicação ao caso concreto — decisão da Justiça do Amazonas
Com base exatamente nessa moldura teórica, a 1ª Vara da Fazenda Pública de Manaus julgou procedente ação movida por empresa prestadora de serviços de vigilância contra a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), reconhecendo o direito à repactuação dos valores contratados entre 2020 e 2023.
Segundo a decisão, assinada pelo juiz Ronnie Frank Torres Stone, a própria UEA havia reconhecido administrativamente a existência e liquidez da dívida, tanto por sua Contabilidade quanto por seu setor Jurídico, que calcularam e atestaram os valores devidos em razão das CCTs anuais da categoria de vigilantes — mas o pagamento nunca se efetivou por falhas internas da Administração.
Ainda que ausentes os aditivos formais, a análise documental evidenciou que os custos aumentaram compulsoriamente e que a Administração admitiu tal variação como legítima. Assim, o Judiciário concluiu pela obrigatoriedade do pagamento das diferenças, condenando a UEA ao montante nominal de R$ 4,13 milhões, acrescido de correção e juros.
A sentença reafirma que o inadimplemento administrativo não pode ser transferido ao particular, e que o dever de repactuar decorre diretamente do princípio da manutenção da equação econômico-financeira do contrato — pilar protetivo contra inviabilizações econômicas impostas aos prestadores de serviços essenciais.
Processo n. : 0571464-02.2024.8.04.0001
