A proteção reforçada da mulher pela Lei Maria da Penha não afasta a exigência de prova segura — fotos sem identificação e inconsistências probatórias sustentam absolvição por falta de certeza sobre os fatos.
Com esse entendimento, a Ministra Marluce Caldas, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), manteve a absolvição de um homem acusado de agredir a ex-companheira em Manaus, ao reconhecer que as fotografias apresentadas não continham identificação da vítima nem comprovação da data das lesões, e que o conjunto probatório era insuficiente para demonstrar a autoria e a materialidade do delito.
A decisão foi proferida no Agravo em Recurso Especial nº 3.007.741/AM, publicado no Diário da Justiça Eletrônico Nacional (DJEN) de 3 de outubro de 2025.
O caso e a absolvição em primeira instância
O processo teve início a partir de denúncia do Ministério Público do Estado do Amazonas, que imputou ao acusado a prática de lesão corporal no contexto de violência doméstica (art. 129, §13, do Código Penal). Segundo a acusação o denunciado teria agredido sua ex-companheira com murros e tapas em um motel, e posteriormente, já em sua residência, puxado-lhe os cabelos, ocasionando lesões corporais supostamente comprovadas por exame de corpo de delito indireto.
O Juizado Especializado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Manaus julgou a denúncia improcedente e absolveu o réu, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, por ausência de provas suficientes para a condenação.
O juízo destacou contradições nos depoimentos da vítima, especialmente quanto à data dos fatos, e apontou que as fotografias apresentadas careciam de identificação da vítima e comprovação temporal, o que retirava delas valor probatório. Também observou que os prints de mensagens de WhatsApp não haviam sido submetidos à perícia técnica, o que impedia sua utilização como meio de prova válido.
Decisão do Tribunal do Amazonas e recurso da vítima
O Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM) manteve a sentença absolutória, aplicando o princípio do in dubio pro reo. O acórdão ressaltou que, embora a palavra da vítima tenha peso especial em casos de violência doméstica, ela não pode, isoladamente e sem elementos corroboradores consistentes, fundamentar uma condenação penal.
Inconformada, a vítima, habilitada como assistente de acusação, interpôs recurso especial ao STJ, sustentando que a decisão do TJAM teria violado os arts. 129, §9º, e 147 do Código Penal, além dos arts. 41 da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), 158 e 231 do CPP, e 1.022 do CPC. Argumentou que a jurisprudência reconhece o valor probatório da palavra da mulher em situações de violência doméstica e que, mesmo diante de pequenas inconsistências, o conjunto formado por depoimento, fotografias e mensagens seria suficiente para a condenação. Alegou, ainda, omissão do Tribunal estadual por não valorar devidamente essas provas nem considerar a hipótese de erro material quanto à data dos fatos.
Entendimento da ministra relatora
Ao analisar o agravo, a Ministra Marluce Caldas considerou que o recurso especial, sob o pretexto de violação legal, buscava reexame do conjunto fático-probatório, providência vedada pela Súmula 7 do STJ. Segundo a relatora, o acórdão do TJAM não incorreu em má aplicação da lei federal, mas apenas reconheceu a fragilidade das provas produzidas, o que é matéria de fato, e não de direito.
“A absolvição do recorrido não decorre da má interpretação da lei, mas do exame rigoroso das provas, o que não pode ser revisto em sede de recurso especial”, consignou a ministra.
A relatora ressaltou que, para superar o óbice da Súmula 7, o agravante deveria demonstrar, de modo preciso, que suas teses não implicariam modificação do quadro fático fixado pelas instâncias ordinárias — o que não ocorreu. Assim, conheceu do agravo para não conhecer do recurso especial, mantendo a absolvição.
Fundamento jurídico e relevância da decisão
A decisão reforça a jurisprudência do STJ de que a proteção especial conferida pela Lei Maria da Penha não exonera o dever de prova mínima e segura para condenação criminal.
Embora o ordenamento reconheça a vulnerabilidade da mulher em situações de violência doméstica, o Tribunal reafirmou que a presunção de inocência e a exigência de certeza jurídica permanecem como limites intransponíveis à atuação penal do Estado.
AREsp 3007741