A desistência de uma ação judicial após a contestação, quando envolve a União e suas autarquias, não pode ser tratada como ato unilateral do autor. Em matéria de coeficientes do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), uma solução administrativa superveniente obtida durante o curso do processo implica renúncia ao direito material discutido, produzindo coisa julgada de mérito.
Esse foi o entendimento adotado pela 1ª Vara Federal Cível do Amazonas, ao extinguir com resolução de mérito ação proposta pelo Município de Fonte Boa contra a União e o IBGE.
A demanda buscava majorar o coeficiente do FPM de Fonte Boa para o exercício de 2025, elevando-o de 1,4 para 2,0. O Município sustentava que a estimativa populacional do IBGE — 27.875 habitantes — utilizada pelo TCU na Decisão Normativa nº 213/2024 estava subestimada. Para comprovar essa alegação, apresentou dados administrativos internos, como o número de eleitores e de beneficiários do Bolsa Família, com o argumento de que sua população real superaria o patamar de 44.149 habitantes exigido para o coeficiente superior.
O pedido de tutela de urgência foi indeferido, com fundamento na presunção de legitimidade dos dados demográficos oficiais e na jurisprudência regional que só admite intervenção judicial quando demonstrado erro evidente no procedimento censitário. Em seguida, União e IBGE apresentaram contestação, defendendo a metodologia utilizada e destacando um ponto sensível: por ser fundo de natureza redistributiva, o aumento da cota de um município acarreta redução proporcional nos repasses dos demais entes do Amazonas, o que exige tratamento cauteloso e uniforme.
Após as contestações, o Município informou ter obtido uma “solução administrativa” e pediu a desistência da ação. União e IBGE concordaram, mas condicionaram a anuência à renúncia expressa ao direito material (art. 3º da Lei 9.469/97), justamente para evitar que o Município retomasse o litígio no futuro, caso o ajuste administrativo fracassasse ou deixasse de produzir os efeitos desejados.
Fonte Boa insistiu na desistência simples, sem renúncia. Para o juiz, entretanto, essa postura gerava um conflito com a própria lógica do sistema federativo de repartição de receitas. Segundo a sentença, permitir desistência sem renúncia após uma solução administrativa superveniente criaria instabilidade no rateio anual do FPM, possibilitando que municípios ajuizassem ações sucessivas para testar cenários populacionais e gerar insegurança entre os demais entes federados.
O magistrado destacou que a estabilidade dos coeficientes é elemento essencial ao planejamento financeiro dos municípios, especialmente na Amazônia, onde o FPM representa a principal fonte de recursos para saúde, educação e serviços básicos. Por isso, a desistência simples — que levaria a uma extinção sem resolução de mérito — não era compatível com o interesse público. “A renúncia do direito é o único desfecho juridicamente adequado para evitar nova litigância idêntica após acordo administrativo e garantir segurança jurídica ao sistema”, concluiu.
Com essa fundamentação, o juízo homologou a desistência como renúncia, julgando extinto o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, III, “c”, do CPC. A desistência apenas encerra o processo, permitindo nova ação; a renúncia extingue o direito e impede que o pedido volte a ser discutido. Por isso, diante da solução administrativa e da exigência da União, o juiz entendeu que o caso não comportava simples desistência.
O Município foi condenado ao pagamento das custas remanescentes e honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa, rateados entre União e IBGE. A decisão é recorrível.
Processo 1046080-03.2024.4.01.3200



