A legislação tributária não pode alterar definições e prazos de direito privado já consolidados, nem impor condições fáticas inexequíveis aos contribuintes. Exigir que empresas aprovem a distribuição de lucros antes do encerramento do exercício financeiro, como condição para obter isenção fiscal, viola a razoabilidade, a segurança jurídica e o artigo 110 do Código Tributário Nacional.
Com esse entendimento, o juiz Igor Matos Araújo, da 16ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária da Bahia, suspendeu a exigência prevista na Lei 15.270/2025 para as empresas associadas do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas no Estado da Bahia (Sescap-BA).
A norma exige a distribuição de dividendos até 31 de dezembro de 2025 como condição para a manutenção da isenção tributária sobre valores referentes aos lucros deste ano. A aplicação dessa regra pela Receita Federal, porém, já está suspensa desde a semana passada, por decisão da Justiça Federal de Brasília.
A entidade argumentou que a regra de transição criada pela nova lei — que passará a tributar dividendos a partir de 2026 — impunha um prazo impossível de ser cumprido, uma vez que a apuração definitiva dos resultados contábeis só ocorre após o fim do ano-calendário.
Conflito com a legislação societária
Ao analisar o mérito da liminar, o magistrado reconheceu que a condição imposta pela lei fiscal cria uma situação “fática e juridicamente inexequível”. A decisão fundamentou-se no fato de que a legislação societária (Lei das S.A. e Código Civil) concede um prazo específico para que as empresas realizem suas assembleias e deliberem sobre resultados.
“A legislação societária de regência, especificamente o art. 132 da Lei nº 6.404/1976 e o art. 1.078 do Código Civil, estabelece que a assembleia geral ordinária ou a reunião de sócios para deliberar sobre o balanço e a destinação do lucro deve ocorrer nos quatro meses seguintes ao término do exercício social”, destacou o juiz,.
Dessa forma, obrigar a realização dessa aprovação até o último dia do ano corrente atropela o rito legal de fechamento de balanço e convocação de sócios.
Limites da lei tributária
A decisão também apontou a ilegalidade da medida sob a ótica do Direito Tributário. O juiz ressaltou que a antecipação do prazo para fins fiscais afronta o artigo 110 do CTN, que veda à lei tributária a alteração de conceitos e formas de direito privado utilizados pela Constituição Federal.
“A imposição de uma ‘data de corte’ anterior ao próprio fato gerador e à conclusão do exercício financeiro configura, em análise perfunctória, violação aos princípios da razoabilidade e da segurança jurídica”, afirmou o magistrado.
Diante do risco de as empresas perderem o benefício fiscal ou serem forçadas a realizar “antecipações contábeis temerárias”, o juízo garantiu aos representados pelo sindicato o direito à isenção sobre os lucros de 2025, desde que a aprovação societária ocorra dentro do prazo legal regular (quatro meses após o fim do exercício), e não obrigatoriamente até dezembro.
MS 1096219-13.2025.4.01.3300
