O direito adquirido, uma vez incorporado ao patrimônio jurídico do indivíduo, não pode ser suprimido por alterações posteriores no estatuto, no contrato ou na estrutura empresarial da entidade responsável pela prestação do serviço. Trata-se de garantia constitucional expressa no art. 5º, XXXVI, que impede que situações jurídicas consolidadas sejam desfeitas por mera mudança de conveniência administrativa ou societária.
Foi com esse entendimento que a juíza Simone Laurent Arruda da Silva, da 17ª Vara Cível de Manaus, julgou procedente a ação ajuizada por um cooperado da Unimed Manaus e reconheceu que a sua condição de sócio remido — isento do pagamento de mensalidades após cumprir os requisitos estatutários — constitui direito adquirido e não se desfaz com a transferência da carteira de beneficiários para outra operadora do Sistema Unimed.
O autor havia se tornado remido após mais de duas décadas de vinculação à cooperativa. Com a alienação da carteira da Unimed Manaus para a Central Nacional Unimed (CNU), decorrente da recuperação judicial da primeira, o cooperado recebeu notificação informando que a remissão “deixaria de existir” quando o plano fosse assumido pela nova controladora.
A sentença, contudo, rechaçou por completo essa tese. A magistrada afirmou que a remissão, uma vez implementada, “incorporou-se de maneira definitiva ao patrimônio jurídico do cooperado”, não podendo ser suprimida por reestruturações internas da operadora nem por atos societários envolvendo alienação de carteira. A decisão destacou que, no âmbito dos planos de saúde, a transferência de carteira opera como sucessão empresarial regulada pela Lei 9.656/98, impondo à adquirente a manutenção integral das condições contratuais vigentes — inclusive a isenção decorrente da remissão.
Além disso, o juízo reconheceu a legitimidade passiva da Central Nacional Unimed com base na Teoria da Aparência, consolidada pelo STJ, segundo a qual as cooperativas do Sistema Unimed, embora autônomas entre si, respondem solidariamente perante o consumidor por atos praticados no âmbito da marca nacionalmente integrada.
Ao final, a juíza tornou definitiva a tutela já concedida pelo TJAM em agravo e determinou que Unimed Manaus e CNU mantenham o cooperado e sua dependente na condição de remidos, com cobertura integral e sem pagamento de mensalidades, sob pena de multa diária. As rés também foram condenadas ao pagamento das custas e honorários de sucumbência.
Com a decisão, reafirma-se a compreensão de que a remissão não é uma liberalidade revogável, mas uma proteção jurídica vinculada ao tempo de contribuição e à idade do cooperado — e que, portanto, não pode ser suprimida por mudanças administrativas, financeiras ou societárias da operadora de saúde.
Processo n. 0580711-07.2024.8.04.0001
