Embora o trabalho do médico normalmente não garanta um resultado (ou seja, ele faz o melhor possível, mas não promete cura), quando o atendimento é feito em hospital público, a Justiça entende que o Estado pode ser responsabilizado mesmo sem culpa direta do profissional. Isso acontece especialmente quando há erro no tratamento ou falta de cuidado, como deixar de acompanhar o paciente corretamente depois de uma cirurgia.
Com este entendimento, a juíza Etelvina Lobo Braga, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Manaus, julgou procedente ação indenizatória proposta por paciente que sofreu sequelas fonatórias após tratamento em hospital público, reconhecendo a responsabilidade objetiva do Estado do Amazonas, que deve indenizar em R$ 20 mil por danos morais.
A decisão se fundamenta na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que consolidam o dever estatal de indenizar sempre que comprovado o dano e o nexo causal com a falha na prestação do serviço público de saúde, ainda que não haja culpa direta do agente público envolvido.
A ação foi ajuizada pela mãe de uma paciente criança que, após ser submetida a tratamento médico em hospital público do Estado do Amazonas, passou a apresentar sequelas na fala. A autora alegou que houve falha no procedimento e ausência de acompanhamento pós-operatório adequado, o que teria causado danos permanentes à filha, motivando o pedido de indenização por danos morais.
Segundo os autos, após atendimento hospitalar, a criança passou a apresentar dificuldades severas na fala, vinculando-se as sequelas a procedimentos médicos realizados na rede pública estadual.
Ao analisar o mérito, a magistrada destacou que, embora a obrigação do médico seja de meio e não de resultado, o entendimento que prevalece nos tribunais superiores é o de que, havendo prestação deficiente do serviço em hospital público, o ente estatal responde objetivamente — isto é, basta ao paciente demonstrar o prejuízo e sua relação com a atuação médica para haver o dever de indenizar.
A sentença citou precedentes do STJ (AgRg no AREsp 403.236/DF) e do STF (AI 852237 AgR), que admitem a responsabilização objetiva em hipóteses como a dos autos, nas quais a falha na execução ou no acompanhamento do procedimento resulta em danos concretos ao paciente. De acordo com a juíza, restou evidenciado que a paciente não recebeu o acompanhamento pós-tratamento adequado, o que caracteriza omissão relevante e suficiente para ensejar a responsabilização do Estado.
A sentença também aborda a distinção entre a responsabilidade do profissional e a do hospital público — sendo esta última regida pela lógica da prestação de serviço público e não por uma relação contratual privada.
A magistrada, ao final, fixou indenização por danos morais, destacando que o sofrimento psicológico decorrente das limitações impostas pelas sequelas fonatórias configura lesão à dignidade da pessoa humana, especialmente considerando a essencialidade da fala na vida social e profissional do indivíduo.
Processo n. 0748968-97.2021.8.04.0001