CNJ aprova lista mista e lista exclusiva de mulheres para garantir paridade nos tribunais

CNJ aprova lista mista e lista exclusiva de mulheres para garantir paridade nos tribunais

Em uma decisão histórica e unânime em prol da equidade na magistratura brasileira, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a criação de política de alternância de gênero no preenchimento de vagas para a segunda instância do Judiciário. Com a decisão, as cortes deverão utilizar a lista exclusiva de mulheres, alternadamente, com a lista mista tradicional, nas promoções pelo critério do merecimento. A medida foi proposta pela conselheira do CNJ e desembargadora federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) Salise Monteiro Sanchotene.

A iniciativa foi aprovada nesta semana, durante a 2ª Sessão Extraordinária de 2023 do órgão, no julgamento do Ato Normativo 0005605-48.2023.2.00.0000, relatado por Salise. A norma altera a Resolução CNJ nº 106/2010, que trata dos critérios objetivos para a promoção de magistrados e magistradas.

Aprovado após amplo debate, o texto estabelece uma ação afirmativa de gênero voltada ao acesso ao segundo grau de jurisdição. “Não estamos tratando apenas de promoção de juiz, mas de garantir a democracia, de garantir uma política afirmativa de paridade de gênero nos tribunais. A proposta já vem sendo debatida há muito tempo, entre todos os envolvidos”, afirmou Salise na apresentação de seu voto, inspirado na Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário.

Na fundamentação jurídica apresentada, a conselheira relatora citou parecer pro bono do professor Daniel Sarmento, entregue ao CNJ quando da sua participação como painelistas no evento Mulheres na Justiça: novos rumos da Resolução CNJ nº 255 – 2ª edição.

Criada em 2018 por meio da Resolução CNJ nº 255, a política vem, desde então, promovendo diversas ações, programas e diretrizes voltadas à redução da desigualdade de gênero na Justiça brasileira.

A presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, destacou a importância da medida. “Numa sociedade democrática não deve haver temas tabus. Os assuntos devem vir a debate e isso é muito importante. No Supremo, quando tratamos de anencefalia, de cotas raciais nas universidades, ou de marco temporal para os indígenas, sempre houve resistência. E eu compreendo a resistência. O ser humano tem dificuldade de ver o novo e de enfrentá-lo. Mas é, sim, necessário fazê-lo”, ela afirmou.

Em seu voto, lido na 14ª Sessão Ordinária, realizada em  setembro, a relatora destacou a importância da mudança normativa. “Os homens ocupam cerca de 75% das vagas dessas cortes e continuariam com amplas possibilidades de se tornarem desembargadores pois o acesso ao 2º grau continuaria aberto, só que de forma alternada por gênero. Da perspectiva do interesse público e da democracia, nada se perderia com a política de ação afirmativa. Afinal, é a ausência de mulheres nos tribunais – e não de desembargadores do sexo masculino – que compromete interesses sociais relevantes e a legitimidade democrática das cortes”, argumentou a conselheira.

Embora constituam cerca de 51% da população brasileira, as mulheres representam 38% da magistratura, sendo 40% presentes no primeiro grau de jurisdição e apenas 21% no segundo grau.

Segundo a resolução aprovada, a ação afirmativa deve ser temporária e perdurar até o atingimento da paridade nos tribunais. Com a decisão, as cortes deverão seguir a seguinte orientação para a ocupação de um cargo pelo critério do merecimento: lista mista e lista exclusiva de mulheres. Para a aferição dos resultados, o CNJ deverá manter banco de dados atualizado sobre a composição dos tribunais.

Amplo debate

O voto de Salise Sanchotene foi lido na 14ª Sessão Ordinária, com a presença, no Plenário, de juízas, desembargadoras e representantes do legislativo nacional. A primeira parte do julgamento contou com a participação, por meio de sustentação oral, de membros das associações de classe e da sociedade civil organizada.

O julgamento acabou suspenso por um pedido de vista do conselheiro Richard Pae Kim. Nesta terça-feira, Pae Kim apresentou voto divergente, questionando a constitucionalidade da alteração das promoções relativas ao critério de antiguidade, prevista no texto original.

Para garantir a aprovação da matéria e consequentemente dar um passo em direção à maior equidade na Justiça, a relatora Salise Sanchotene concordou em adaptar seu voto para manter os atuais critérios da promoção por antiguidade, conforme sugestão do conselheiro Pae Kim.

Com a exclusão de mudanças no critério de antiguidade, o entendimento foi aceito por todos os conselheiros e apenas o voto do conselheiro Mario Goulart Maia – que deixou o CNJ no dia 21 de setembro, mas havia adiantado entendimento no sentido de aprovar o entendimento da conselheira na íntegra – foi computado sem adesão à proposta.

“É imprescindível que tenhamos essa ação e que ela seja o primeiro passo para avançarmos na equidade de gênero. E que, caso não haja uma alteração do cenário hoje existente, aí sim, avancemos ainda mais e reflitamos sobre a alteração de uma forma mais substancial alcançando também o critério da antiguidade”, afirmou o conselheiro Mauro Martins.

Sociedade

No dia em que o voto da conselheira Salise foi lido em Plenário, representantes de associações e da sociedade civil falaram da relevância da discussão. Entre eles, a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciana Paula Conforti; o presidente do Conselho dos Presidentes dos Tribunais de Justiça (Concepre), Rafael Thomaz Favetti; e o diretor de litigância e incidência da associação Conectas Direitos Humanos, Gabriel Sampaio. Também esteve presente o membro fundador e conselheiro da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns), advogado Oscar Vilhena.

A representante da entidade Coletivo Por um MP transformador (Transforma MP), a subprocuradora aposentada Ela Wiecko de Castilho também se pronunciou, classificando a norma como uma proposta concreta para ampliação da representação feminina no Judiciário. “Desigualdade aparentemente neutra, como as de promoção nas carreiras do Judiciário e do Ministério Público. Não é mais admissível procrastinar a igualdade de gênero”, ela apontou.

Com informações da Agência CNJ de Notícias

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