É crime ignorar ordem de parada em blitz com base no direito a não autoincriminação

É crime ignorar ordem de parada em blitz com base no direito a não autoincriminação

A garantia de não autoincriminação não pode ser usada como justificativa para afastar o crime de desobedecer ordem de parada em barreira policial, sobretudo quando visa à ocultação de delito anterior. Esse é o entendimento do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Para o PGR, o direito do cidadão de não produzir provas contra si mesmo deve ser compatível com outras garantias fundamentais previstas na Constituição Federal, como o direito coletivo à segurança pública e o dever estatal de prevenir e reprimir condutas penais relevantes.

A manifestação foi enviada no Recurso Extraordinário (RE) 1.400.172/SC, que discute a possibilidade ou não de se criminalizar a desobediência à ordem policial de parada, tendo em conta a garantia constitucional contra a autoincriminação (Tema 1.242). Como o caso foi incluído na sistemática da repercussão geral, a decisão que for tomada pelo STF deverá ser seguida por todas as demais instâncias da Justiça.

Para o procurador-geral da República, ao receber uma determinação de parada de autoridade policial no exercício da proteção da segurança pública, o “cidadão é destinatário de uma ordem direta, individualizada, substancial e formalmente legal, e tem o dever de atendê-la”.

Segundo Aras, o fato de cumprir a ordem de parada não obriga o indivíduo a assumir eventual responsabilidade penal. Tampouco enseja a aplicação de penalidade, caso ele decida nada falar sobre um delito que tenha praticado. “Exige-se apenas que o indivíduo responda às indagações que forem pertinentes à sua identificação e qualificação pessoal”, pondera.

Nesse sentido, o PGR defende que é preciso encontrar um equilíbrio entre o legítimo dever do Estado de combater crimes, a garantia de toda a sociedade à segurança pública e os direitos fundamentais do investigado, entre eles o de não se autoincriminar.

“A garantia contra a autoincriminação há de ser relativizada, com vistas a viabilizar um juízo de harmonização que propicie a efetivação de outros direitos fundamentais que eventualmente com ela colidam, a exemplo do direito coletivo à segurança pública e do dever estatal de prevenir e reprimir condutas penalmente relevantes”, sustenta o procurador-geral.

Dessa forma, pontua que as forças policiais, no contexto de policiamento ostensivo, têm legitimidade para dar ordem de parada e realizar a conferência de documentos e vistoria de veículos, bem como a entrevista dos motoristas e passageiros. Segundo Aras, seria inviável, nessa atividade, a polícia ter que identificar, de antemão, a pessoa abordada, com base em suspeita de prática delitiva.

Portanto, para o PGR, nesses casos, a configuração do crime de desobediência “é medida necessária, idônea, proporcional e que legitima a opção legislativa de restringir, parcialmente, a liberdade do cidadão em favor da efetivação do direito coletivo à segurança pública”. Segundo ele, não há afronta ao núcleo essencial da garantia contra a autoincriminação.

Em outro ponto do parecer, Augusto Aras enfatiza que a existência de delito prévio a ser ocultado somente reforça a necessidade de tipificação penal do crime de desobediência no caso em análise. Ele ainda observa que aceitar essa justificativa “inviabilizaria a atividade policial ostensiva, esvaziando a proteção constitucional ao direito coletivo à segurança e o direito da sociedade de ver elucidada a prática de um crime”.

Caso concreto Em 2016, um cidadão foi denunciado e condenado por roubo de carro e desobediência por não acatar a ordem de parada de agentes estatais que realizavam policiamento ostensivo. Após tentativa de fuga, com perseguição e perda de controle da direção, ele foi detido.

Em recurso ajuizado no Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), o réu acabou sendo absolvido do crime de desobediência, com base na garantia de não autoincriminação. Diante disso, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MPSC) recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reformou a decisão, por entender que a desobediência à ordem de parada policial configura crime. O cidadão, então, recorreu ao STF (RE 1.400.172/SC) alegando violação ao direito à não autoincriminação.

No parecer, o procurador-geral defende o desprovimento do recurso. Para ele, a garantia contra a autoincriminação admite restrições, desde que seja resguardado o seu núcleo essencial e haja um exercício de ponderação, no sentido de assegurar outros direitos constitucionalmente assegurados. Aras ressalta que a desobediência deliberada à ordem legal proferida por policiais militares, ainda que com o intuito de manter o estado de liberdade, amolda-se perfeitamente ao artigo 330 do Código Penal, que considera crime a conduta de “desobedecer a ordem legal de funcionário público”.

Seguindo esse entendimento, o PGR propõe a seguinte tese de repercussão geral: “Não existe violação à garantia da não autoincriminação no enquadramento penal da conduta daquele que desobedece a ordem legal de parada, emanada por agentes públicos no contexto de policiamento ostensivo, com o objetivo de prevenir e reprimir a prática de crimes”.

Com informações do MPF

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