O Superior Tribunal de Justiça manteve decisão da Segunda Câmara Cível do TJAM que reconheceu o direito de uma candidata diagnosticada com doença autoimune grave a concorrer às vagas reservadas a pessoas com deficiência em concurso público do próprio Tribunal. Foi Relator o Ministro Herman Benjamin.
A controvérsia foi definitivamente resolvida com o não conhecimento do agravo em recurso especial interposto pelo Cebraspe, organizador do certame, em razão de deserção por ausência de preparo regular (AREsp 2.936.145/AM).
A disputa jurídica: Doença autoimune e modelo social de deficiência
A candidata havia sido diagnosticada com lúpus eritematoso sistêmico associado à nefrite lúpica classe IV, uma condição que, embora não cause deficiência física visível, impõe restrições severas, especialmente quanto à exposição solar — situação comum do cotidiano que pode agravar o quadro clínico. Com base nisso, a sentença da 5ª Vara da Fazenda Pública de Manaus autorizou sua participação nas etapas do concurso na condição de pessoa com deficiência.
A decisão, porém, foi reformada inicialmente pela Segunda Câmara Cível do TJAM, que entendeu que, apesar dos efeitos limitadores, não havia impedimento funcional enquadrável nos moldes legais. No entanto, em sede de embargos de declaração, o colegiado reconheceu a contradição interna do acórdão, uma vez que reconhecia os efeitos incapacitantes da doença, mas negava sua repercussão jurídica na igualdade de condições.
Convenção da ONU com status constitucional e efeitos infringentes
O novo julgamento, relatado pelo Desembargador Délcio Luis Santos, acolheu os embargos com efeitos infringentes, restabelecendo a sentença de origem. O voto enfatizou a necessidade de interpretar a deficiência à luz da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto nº 6.949/2009), que possui status de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, da CF).
Para o relator, a deficiência não deve ser entendida apenas como uma limitação clínica, mas como o resultado da interação entre um impedimento de longo prazo e barreiras sociais e ambientais. No caso da autora, a impossibilidade de exposição ao sol por risco de agravamento da doença já constituía barreira suficiente para justificar o tratamento jurídico diferenciado previsto na reserva de vagas.
Repercussão da decisão
Embora o precedente não tenha efeito vinculante, a decisão do TJAM, confirmada pelo STJ, assume valor paradigmático ao aplicar de forma concreta e coerente o modelo social da deficiência. A jurisprudência reforça a compreensão de que doenças autoimunes e outras condições não visíveis, mas funcionalmente incapacitantes, podem ensejar o direito à inclusão em ações afirmativas, como as cotas PCD em concursos públicos.