A decisão do plenário da Câmara dos Deputados de manter o mandato da parlamentar Carla Zambelli, mesmo após condenação criminal transitada em julgado no Supremo Tribunal Federal que determinava a perda automática do cargo, reacende o debate sobre os limites das competências constitucionais entre os Poderes e o alcance da cláusula de separação funcional prevista no artigo 2º da Constituição.
Por 227 votos — número insuficiente para alcançar a maioria absoluta exigida — a Casa rejeitou a cassação e reinterpretou o comando constitucional relativo à perda de mandato de parlamentares condenados criminalmente. Para o STF, a condenação à pena privativa de liberdade em regime fechado implica a perda automática do mandato, independentemente de deliberação congressual. A Câmara, contudo, reafirmou leitura diversa: nesses casos, entende ser necessário o juízo político da própria Casa legislativa.
O caso é singular por envolver não apenas a condenação criminal definitiva, mas também o fato de a deputada encontrar-se presa no exterior, em processo de extradição. Apesar disso, a maioria dos presentes entendeu não estarem configuradas as condições para a perda imediata do mandato por deliberação parlamentar.
O julgamento político realizado pelo plenário contrasta com decisão recente da Comissão de Constituição e Justiça da própria Câmara, que havia deliberado pelo cumprimento da ordem judicial do Supremo. A votação em plenário, porém, consolidou a tese de que cabe ao Legislativo a palavra final sobre a cassação, mesmo diante de condenação irrecorrível.
Do ponto de vista jurídico-institucional, o episódio aprofunda a tensão interpretativa entre o artigo 55 da Constituição — que trata da perda de mandato por condenação criminal — e o entendimento firmado pelo Supremo no sentido de que, após o trânsito em julgado, não subsiste espaço para deliberação política. Para parte da doutrina, a decisão da Câmara amplia o conceito de autonomia parlamentar além dos limites traçados pela jurisdição constitucional.
O caso também evidencia o distanciamento entre os efeitos práticos da manutenção formal do mandato e sua exequibilidade. Presa na Itália desde julho, a deputada não pode exercer suas funções, e a Casa já reconhece que eventual cassação poderá ocorrer posteriormente por faltas sucessivas, criando um cenário de duplicidade de procedimentos.
A controvérsia ainda promete desdobramentos, seja pela possibilidade de judicialização da decisão interna da Câmara, seja pelo debate institucional sobre o alcance das prerrogativas legislativas em face de decisões penais definitivas do Supremo. Por ora, permanece aberta uma interrogação constitucional que já atravessou diferentes legislaturas: qual é, afinal, o limite da Câmara para revisar efeitos de condenações impostas pelo STF?
