Sem contexto de gênero, conflito familiar não atrai aplicação da Lei Maria da Penha

Sem contexto de gênero, conflito familiar não atrai aplicação da Lei Maria da Penha

A aplicação da Lei Maria da Penha exige mais do que a ocorrência de conflito no âmbito doméstico ou familiar. É indispensável que a conduta esteja inserida em contexto de violência de gênero, caracterizado pela desigualdade estrutural de poder ou pela motivação discriminatória relacionada à condição feminina da vítima. Sem esse elemento, a legislação especial não incide.

Com esse entendimento, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento a recurso de apelação interposto pela Defensoria Pública contra decisão que indeferiu medidas protetivas de urgência requeridas por uma mulher em face do próprio irmão. O julgamento foi realizado pelo 3º Núcleo de Justiça 4.0 — Criminal Especializado.

No caso concreto, a controvérsia entre as partes decorre de desavença familiar antiga, que se arrasta há mais de seis anos. Segundo o colegiado, os autos não revelam situação de risco atual nem indicam que os episódios narrados tenham sido motivados por razão de gênero. Laudo social e demais documentos reforçaram o enquadramento do litígio como conflito familiar, sem vínculo direto com a violência doméstica nos moldes da Lei 11.340/2006.

Relator do recurso, o juiz de segundo grau Richardson Xavier Brant destacou que o pedido de medidas protetivas “não está baseado em eventual violência praticada em razão do gênero da vítima, mas em desavenças entre irmãos”. Para o magistrado, a simples existência de relação familiar ou convivência doméstica não é suficiente para atrair a incidência da norma especial, sob pena de banalização de seu alcance e desvio de sua finalidade constitucional.

O relator acrescentou que a Lei Maria da Penha deve ser aplicada de forma restrita a situações em que se identifique violência praticada contra a mulher em razão de sua condição feminina, o que não se verificou no caso analisado. Os desembargadores Fortuna Grion e Nelson Missias de Morais acompanharam integralmente o voto para manter a decisão de primeiro grau.

Antes de enfrentar o mérito, o colegiado analisou preliminar levantada pelo Ministério Público, que questionava a legitimidade recursal da Defensoria Pública, sob o argumento de ausência de prévia manifestação da vítima quanto ao interesse em recorrer. A tese foi rejeitada.

Segundo o relator, a Defensoria Pública possui legitimidade e autonomia para interpor recursos nas causas em que atua, independentemente de autorização expressa do assistido ou mesmo de eventual conformismo deste com a decisão desfavorável. Brant ressaltou que não se trata de substituição processual, ligada à legitimação para a causa, mas de atuação relacionada à capacidade postulatória, pressuposto processual que não se confunde com a vontade da parte.

O acórdão reafirma a jurisprudência segundo a qual a Lei Maria da Penha não se aplica automaticamente a todo conflito familiar envolvendo mulher, exigindo a demonstração concreta de violência de gênero como elemento delimitador de sua incidência.

Processo nº 5010055-40.2024.8.13.0035

Leia mais

Decisão do STF sobre cotas regionais na UEA passa a valer para processos seletivos futuros

A decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou inconstitucionais dispositivos da legislação sobre reserva de vagas na Universidade do Estado do Amazonas já está...

Cobrança de encargos por limite de crédito exige contrato; ausência gera dever de indenizar

A cobrança de encargos bancários vinculados ao uso de limite de crédito em conta corrente somente é legítima quando amparada por autorização contratual expressa...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

Sem contexto de gênero, conflito familiar não atrai aplicação da Lei Maria da Penha

A aplicação da Lei Maria da Penha exige mais do que a ocorrência de conflito no âmbito doméstico ou...

Decisão do STF sobre cotas regionais na UEA passa a valer para processos seletivos futuros

A decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou inconstitucionais dispositivos da legislação sobre reserva de vagas na Universidade do...

Caso Master: TCU analisa atuação do Banco Central e discute alcance do controle externo

Tramita sob sigilo, no Tribunal de Contas da União, processo que apura a atuação do Banco Central do Brasil...

STF declara constitucional pena de disponibilidade aplicada a magistrados

O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou constitucional a pena de disponibilidade prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional...