A Justiça Federal no Amazonas determinou o restabelecimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC) a um homem com deficiência mental grave e declarou inexigível a cobrança de mais de R$ 104 mil feita pelo INSS, ao reconhecer que o critério legal de renda familiar não pode ser aplicado de forma absoluta quando comprovada situação de vulnerabilidade social.
O autor da ação é beneficiário do amparo assistencial desde 2004, em razão de deficiência mental, mas teve o benefício suspenso administrativamente em outubro de 2022, sob o argumento de que a renda familiar per capita teria superado o limite legal. Além disso, o INSS instaurou procedimento de cobrança para reaver valores pagos ao longo de sete anos, alegando recebimento indevido.
Durante a instrução, a perícia médica judicial confirmou a existência de impedimento de longo prazo de natureza mental, com incapacidade total para o trabalho e necessidade permanente de acompanhamento. Já o estudo socioeconômico apontou que o grupo familiar é composto por seis pessoas, com renda mensal total superior ao parâmetro objetivo previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), mas também revelou despesas contínuas com saúde, medicamentos, alimentação e cuidados especiais, que comprometem de forma significativa o orçamento doméstico.
Nos termos do art. 20, §3º, da LOAS, o critério legal objetivo de miserabilidade fixa como parâmetro a renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo, o que atualmente corresponde a cerca de R$ 353 por pessoa.
Em uma aplicação estritamente aritmética da norma, uma família composta por seis integrantes somente se enquadraria automaticamente nesse requisito se sua renda total não ultrapassasse aproximadamente R$ 2,1 mil mensais. No caso analisado, embora a renda familiar superasse esse limite formal, a juíza afastou a leitura absoluta do dispositivo, reconhecendo que o parâmetro legal não esgota a análise da vulnerabilidade social, sobretudo quando há gastos permanentes com saúde e dependência de terceiros.
A decisão destacou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que o critério de renda não é absoluto, permitindo a flexibilização quando outros elementos probatórios demonstram a condição de miserabilidade. Esse entendimento, inclusive, foi incorporado à legislação com a Lei nº 14.176/2021, que autoriza a consideração de despesas essenciais não cobertas por políticas públicas.
Ao reconhecer a vulnerabilidade do núcleo familiar, a magistrada considerou indevida a suspensão do benefício e fixou o restabelecimento do BPC desde a data do corte administrativo. Também afastou a cobrança dos valores apontados pelo INSS, ressaltando a boa-fé do beneficiário e a natureza alimentar da verba, o que impede a restituição, especialmente em se tratando de pessoa com deficiência grave.
A sentença ainda concedeu tutela de urgência para determinar a imediata reativação do benefício, sob o fundamento de que a interrupção do amparo compromete o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana.
Processo 1036593-43.2023.4.01.3200
