A exigência constitucional de concurso público, frequentemente lembrada em ações de improbidade e representações de controle externo, voltou ao centro do debate administrativo no Amazonas. Desta vez, por meio de uma solução consensual: o Ministério Público do Estado firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) determinando que o Procon/AM reestruture sua composição funcional, hoje formada exclusivamente por servidores comissionados, e crie um quadro efetivo provido por concurso.
O acordo — celebrado pela 46ª Promotoria de Justiça — decorre de inquérito civil que apurou violação aos arts. 37, I, II e V, da Constituição, bem como descumprimento da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1010, segundo a qual cargos em comissão se justificam apenas para funções de direção, chefia e assessoramento, não podendo substituir atividades técnicas ou operacionais.
Caso concreto: ausência total de servidores efetivos e necessidade de reestruturação legal
Segundo o inquérito, o Procon/AM opera sem qualquer servidor efetivo, situação que contraria o modelo constitucional de Administração Pública e impede a profissionalização mínima exigida para execução de políticas de defesa do consumidor. O processo de criação do quadro permanente, previsto desde 2019, nunca foi concluído.
Diante desse quadro, o MPAM exigiu que o órgão estadual passasse a cumprir gradualmente as obrigações constitucionais. O TAC impõe uma série de medidas estruturais.
O termo prevê, entre outras obrigações: revisão da Lei Delegada 125/2019, mantendo o Procon como autarquia, mas readequando suas competências; criação, por lei, de um quadro de servidores efetivos, em número equivalente ao dobro dos cargos comissionados existentes; instituição de Plano de Cargos e Salários; instalação de instâncias de integridade, ouvidoria, procuradoria e controle interno; previsão de que o cargo de procurador será ocupado exclusivamente por membro da PGE/AM, e o de controlador interno por servidor efetivo; deflagração de concurso público, após aprovação legislativa da nova estrutura.
O TAC prevê prazos rígidos: dois meses para apresentação da minuta de projeto de lei ao Ministério Público, trinta dias para ajustes, quinze dias para envio ao governador e três meses para iniciar a contratação da banca do concurso. A criação e regulamentação do Conselho Estadual de Defesa do Consumidor também deve ocorrer em até três meses.
Sanções e força executiva
Para garantir a eficácia do acordo, o TAC possui força de título executivo extrajudicial e prevê: multa pessoal de R$ 5 mil por mês, aplicada ao dirigente do Procon em caso de descumprimento, vedado o pagamento com recursos públicos; possibilidade de execução judicial se os prazos dobrarem sem cumprimento; acompanhamento periódico pelo Ministério Público a cada 60 dias.
Relevância institucional
Ao optar pela autocomposição, o Ministério Público privilegia a prevenção de litígios e a recomposição administrativa, sem afastar eventual responsabilização por condutas anteriores. O TAC vincula as administrações futuras e só se encerra com a regularização completa do quadro funcional.
O acordo representa, na prática, a tentativa de encerrar um ciclo de precarização institucional que se arrastava há anos, afastando modelos de gestão baseados quase exclusivamente em nomeações políticas e aproximando o Procon/AM dos parâmetros constitucionais aplicáveis à Administração Indireta. A iniciativa é do Promotor de Justiça Alessandro Samartin de Gouveia, do MPAM.
