Corte reafirma que a condição econômica do acusado não autoriza, por si só, afastar o tráfico privilegiado previsto no art. 33, §4º, da Lei de Drogas
A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reforçou entendimento segundo o qual a condição de desempregado não pode ser utilizada como presunção de dedicação ao tráfico de drogas. O colegiado, por unanimidade, mantive decisão que aplicou o redutor do tráfico privilegiado e reduziu a pena de réus primários condenados por tráfico.
O caso envolveu dois suspeitos presos em flagrante com 448 pinos de cocaína, 50 trouxas de maconha e 426 pedras de crack, apreendidos após tentativa de fuga ao avistar uma viatura policial. Embora fossem réus primários e de bons antecedentes, o Tribunal de Justiça de São Paulo havia negado o redutor de pena previsto no artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006, ao fundamento de que o desemprego dos acusados evidenciaria dedicação à traficância.
“Para ter acesso a tamanha quantidade de entorpecentes, claramente se incorporaram à organização criminosa, ou, no mínimo, têm se dedicado frequentemente à traficância”, concluiu o acórdão paulista.
Fundamentação e análise jurídica
O relator do habeas corpus no STJ, ministro Ribeiro Dantas, rejeitou essa lógica, afirmando que a condição de desempregado, isoladamente, não é elemento idôneo para justificar o afastamento do redutor. Segundo o magistrado, não se pode converter a vulnerabilidade econômica em presunção de culpabilidade, sob pena de violar o princípio constitucional da presunção de inocência e o dever estatal de individualização da pena.
O ministro citou jurisprudência consolidada do STJ que orienta: “A condição de desempregado, por si só, não é elemento suficientemente idôneo para basear a conclusão pela reiterada conduta delitiva do condenado.”
Além disso, reafirmou que a quantidade de drogas apreendida, isoladamente, não é suficiente para afastar o tráfico privilegiado, sendo necessário apontar outros elementos concretos que demonstrem dedicação à atividade criminosa, conforme o artigo 42 da Lei de Drogas, que estabelece os critérios de dosimetria da pena.
Dessa forma, o relator reconheceu a cabibilidade do redutor previsto no artigo 33, §4º, fixando-o na fração máxima de 2/3, compatível com a ausência de antecedentes e com a inexistência de vínculo estável com organizações criminosas.
A decisão, proferida no HC 1.016.769, vai além do caso concreto. Ela reafirma o papel do STJ como instância de contenção do punitivismo fundado em estereótipos sociais — prática ainda comum em julgados que associam pobreza, desemprego ou periferia à habitualidade no crime.
A Corte sinaliza que o juízo sobre dedicação à traficância deve decorrer de dados objetivos e verificáveis, e não de conjecturas socioeconômicas. Afastar o redutor com base na condição de desempregado, frisou o relator, é converter a exclusão social em agravante penal, o que contraria a função ressocializadora do Direito Penal.
Ao aplicar o redutor e permitir a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, o STJ reforça que o tráfico privilegiado é instituto de política criminal de exceção, criado justamente para distinguir o traficante eventual do profissional do crime, e não para perpetuar desigualdades.