A disputa começou depois que dois réus foram condenados por tráfico e associação para o tráfico, recebendo penas de nove anos de prisão. Um deles recorreu da sentença, mas o Ministério Público alegou que o recurso havia sido apresentado fora do prazo. O Tribunal de Justiça do Amazonas discordou. Para os desembargadores, como além do advogado o próprio réu foi intimado pessoalmente no cartório, o prazo deveria ser contado a partir dessa segunda comunicação – situação conhecida como dupla intimação.
A longa discussão em torno da tempestividade de um recurso criminal no Amazonas ganhou novo capítulo no Superior Tribunal de Justiça. O caso teve origem na condenação de dois réus pelos crimes de tráfico e associação para o tráfico, que resultou em penas de nove anos de reclusão. Ao recorrer da sentença, a defesa de um deles apresentou apelação, cuja admissibilidade foi contestada pelo Ministério Público sob o argumento de que o prazo já havia expirado.
O Tribunal de Justiça do Amazonas rejeitou a preliminar ministerial e admitiu o recurso, reconhecendo que o réu, embora em liberdade, havia sido pessoalmente intimado no cartório da vara criminal. Para a Corte estadual, essa segunda comunicação processual reabria o prazo, prevalecendo a chamada “dupla intimação”.
A controvérsia no STJ
Inconformado, o Ministério Público estadual levou a discussão ao STJ por meio do REsp 2.230.447/AM, sustentando que, nos termos do art. 392, II, do CPP, bastaria a intimação do advogado constituído para réu solto, sem necessidade de intimação pessoal. A tese ministerial era de que a aceitação da dupla intimação comprometeria a segurança jurídica e esvaziaria a rigidez dos prazos processuais.
A decisão do relator
O ministro Ribeiro Dantas, relator do caso, reconheceu que a regra legal aponta a suficiência da intimação do defensor. Contudo, ponderou que, quando o próprio juízo opta por intimar também o réu, cria-se uma expectativa legítima de que o prazo terá início na última comunicação. Ignorar esse ato judicial seria contrariar os princípios da boa-fé processual e da confiança na atuação estatal.
Amparado em precedentes da Corte – como o HC 493.221/RO, da ministra Laurita Vaz –, o relator entendeu que a decisão do TJ-AM está em consonância com a jurisprudência consolidada do STJ.
Conclusão
Por essas razões, o Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial do Ministério Público, mantendo a apelação da defesa como tempestiva. A decisão reforça que, em casos de dupla intimação, o termo inicial para recorrer será a data da última ciência, desde que o ato tenha sido praticado voluntariamente pelo juízo de origem.
Com efeito, quando o juízo de primeiro grau, por sua própria iniciativa e de forma voluntária, procede à dupla intimação da sentença condenatória – ou seja, intima o advogado constituído e, igualmente, o réu pessoalmente – cria-se uma legítima expectativa na defesa de que o prazo para a interposição de recurso será contado a partir do último ato de comunicação. Desconsiderar essa expectativa seria violar a boa-fé processual, que orienta a relação entre o Estado-Juiz e os jurisdicionados, definiu o STJ.
NÚMERO ÚNICO:0671404-13.2019.8.04.0001