STJ nega trancamento de ação penal por abandono de incapaz

STJ nega trancamento de ação penal por abandono de incapaz

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, afastou a ocorrência de constrangimento ilegal e manteve o andamento de uma ação penal por abandono de incapaz com resultado morte. Seguindo o voto do ministro Joel Ilan Paciornik, o colegiado entendeu que, uma vez comprovada a materialidade e havendo indícios mínimos de autoria, não é possível interromper o curso do processo por meio de habeas corpus.

Denunciada pelo artigo 133, parágrafo 2º do Código Penal, a mulher teve o pedido de absolvição sumária negado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), corte em que impetrou inicialmente o habeas corpus. No recurso endereçado ao STJ, sustentou que o crime de abandono de incapaz – uma criança de cinco anos – seria um crime de perigo concreto, o que dependeria de um juízo de probabilidade.

Narrou que o incapaz “furtou-se aos seus cuidados”, o que comprometeria a tipificação do delito, pois não estaria caracterizado o dolo, essencial para este crime. E alegou que a condenação pelo resultado danoso corresponderia à responsabilização penal objetiva, razão pela qual pediu subsidiariamente o afastamento da tipificação qualificada (resultado morte), pois se trataria de um evento objetivamente imprevisível.

Em voto-vista, o ministro Joel Paciornik divergiu do relator, ministro João Otávio de Noronha, que votou pelo trancamento da ação. Paciornik observou que o pedido da defesa de reconhecimento de atipicidade ou de desclassificação contesta a narrativa da denúncia com argumentos que invadem o mérito da ação penal.

O magistrado entendeu que, para concluir pela carência de justa causa, seria necessário o aprofundamento da análise dos elementos de convicção, pois o quadro descrito não revela com clareza o que foi sustentado pela defesa – a pretensa inexistência do dolo, o comprometimento do matricial dever de assistência, a improbabilidade do perigo decorrente da omissão e a imprevisibilidade objetiva do resultado culposo.

“Uma cautelosa instrução judicial, em respeito ao princípio do contraditório e, inclusive, como forma de evitar a supressão de instância, garantirá à paciente a possibilidade de desconstruir a tese ministerial, ou, ao menos, incutir dúvida razoável no juízo natural da causa ao ensejo do crivo prospetivo da decisão de mérito”, destacou Paciornik.

O ministro citou precedente de sua relatoria, julgado em 2017, em que a turma concluiu que o habeas corpus não é a via adequada para a análise do dolo na omissão ou da impossibilidade de impedir o resultado. “A análise do elemento subjetivo do tipo demandaria revolvimento fático-probatório incabível no procedimento célere do habeas corpus”, registrou a decisão.

Em outro ponto, a defesa pretendia a isenção da responsabilidade penal sob a alegação de que houve comprometimento do dever de assistência em virtude do comportamento da própria vítima. Suscitou a tese de inocência a partir do argumento de que não haveria abandono no sentido jurídico-penal “se o próprio beneficiário da assistência se subtrai a esta, de espontânea iniciativa, pouco importando que o obrigado à assistência não vá a seu encalço”.

O ministro Paciornik observou que ao garante é imposto o dever de impedir o resultado. O artigo 13, parágrafo 2º, do Código Penal descreve que a omissão ocorrida quando a pessoa devia ou podia ter agido para evitar o resultado é penalmente relevante, uma vez que a denunciada assumiu a responsabilidade do dever de assistência à vítima. O magistrado acrescentou que a doutrina reavaliou o instituto, de forma a retratar todas as hipóteses geradoras da posição de garantidor. Nela se integra a “assunção, por parte de alguém, de uma função protetiva unilateral ou bilateral, que, independentemente de um contrato formal, conduza a que se lhe confie a proteção do bem jurídico”.

Segundo o magistrado, são indispensáveis a voluntariedade e a consciência do dever assumido. “Veja-se, também, que da assunção decorre uma expectativa, uma confiança de que haverá por parte do garantidor a efetiva assistência ao incapaz. Efetivamente, a assunção fática deve ser expressa, verbalmente aferível, ou demonstrada pela exteriorização do comportamento da pessoa que efetivamente assume a responsabilidade de resguardar o incapaz dos prováveis perigos e lesões a que estará submetido se sozinho estiver”, explicou.

Joel Paciornik asseverou que a pouca idade da criança é aspecto relevante. Em princípio, “se o infante logrou se subtrair da assistência, a omissão penalmente relevante já estaria configurada de per si porque a paciente, presumivelmente, não agira com a necessária cautela e com a abnegação que lhe era devida”, disse.

O ministro ressalvou que “não restará configurado o delito omissivo quando demonstrado que a pessoa à qual se atribui a obrigação de evitar o resultado não tinha condições de agir para impedi-lo”. Caberá à instrução probatória definir as nuances quanto ao período em que a guarda foi comprometida pela fuga inevitável do incapaz, se o foi, o que poderia isentar ao garantidor dos riscos da desassistência.

Fonte: STJ

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