O Supremo Tribunal Federal recebeu, nesta semana, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), com pedido de medida cautelar, ajuizada pelo Instituto Nós Por Elas (NPE), que pede o reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional no Brasil no enfrentamento à violência doméstica contra mulheres.
A ação, dirigida ao Presidente da Corte, Ministro Luís Roberto Barroso, sustenta a omissão estrutural e persistente do Poder Público Federal e dos Executivos Estaduais, entre os quais o do Amazonas, em garantir efetividade às normas constitucionais e infraconstitucionais de proteção às vítimas.
A entidade requerente destaca que, apesar dos avanços legislativos desde a promulgação da Constituição de 1988 — como a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015) e outras normas recentes —, a ausência de medidas concretas e estruturadas de prevenção, acolhimento e proteção revela um quadro de violação massiva de direitos fundamentais.
São invocados como parâmetros de controle os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), da igualdade entre homens e mulheres (arts. 3º, I e IV; 5º, caput e I; 226, §5º) e o dever estatal de coibir a violência nas relações familiares (art. 226, §8º).
A ADPF apresenta um panorama alarmante sobre o aumento da violência de gênero e a subnotificação de casos, ressaltando a falta de delegacias especializadas com funcionamento ininterrupto, a precariedade das Casas Abrigo, a baixa execução orçamentária em políticas de enfrentamento e a demora na concessão de medidas protetivas. Segundo a petição, tais deficiências comprovam a omissão estrutural do Estado brasileiro, justificando a intervenção da Corte Constitucional em caráter estrutural.
Como medida liminar, o Instituto requer que seja determinado à União a elaboração, em 90 dias, de um Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Doméstica, com metas específicas, cronograma e previsão orçamentária, além da obrigatoriedade de que os entes federativos apresentem planos estaduais alinhados à política nacional. Pede-se ainda a realização de audiências públicas para controle social e institucional das medidas propostas.
A entidade também defende sua legitimidade para propositura da ADPF com base na jurisprudência recente do STF, que tem conferido interpretação ampliada ao conceito de “entidade de classe de âmbito nacional” (art. 103, IX, CF), admitindo a atuação de organizações da sociedade civil voltadas à proteção de grupos vulnerabilizados.
O relator da ação ainda será designado. Se reconhecido o estado de coisas inconstitucional, o julgamento poderá determinar obrigações estruturantes ao Executivo e ao Legislativo, à semelhança do que foi decidido pela Corte em relação ao sistema prisional (ADPF 347) e à política ambiental (ADPF 760).
ADPF 1284