A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai decidir se o tráfico de drogas, além de gerar a pena criminal, também pode ensejar o pagamento de indenização por dano moral coletivo — e se esse dano pode ser presumido ou precisa de prova concreta. A questão foi formalmente afetada ao rito dos recursos repetitivos no Tema 1.337, de relatoria do ministro Rogério Schietti Cruz, em sessão eletrônica.
O que está em jogo
A dúvida nasceu da prática recente do Ministério Público de pedir, nas ações penais por tráfico, que o condenado pague indenização à sociedade pelos danos morais decorrentes da criminalidade. A ideia é que o tráfico, ao degradar a vida comunitária e fomentar outros delitos, fere valores coletivos fundamentais, como segurança, saúde pública e paz social.O valor obtido, se reconhecido, não vai para vítimas individuais, mas para fundos públicos ou instituições que financiam projetos sociais e de prevenção.
O problema é que não há consenso jurídico sobre se essa reparação deve ser automática. Promotores defendem que o dano é presumido (“in re ipsa”), porque a própria prática do tráfico já ofende a coletividade. Defensores e parte da jurisprudência do STJ, por outro lado, afirmam que é preciso comprovar que o caso concreto causou abalo moral relevante e mensurável — do contrário, haveria uma dupla punição, com a pena e uma indenização sem base fática.
Por que o STJ afetou o tema
O ministro Rogério Schietti propôs a afetação ao rito dos repetitivos após constatar a multiplicidade de casos idênticos nos tribunais estaduais. Segundo o relator, o tráfico de drogas responde por mais de um quarto da população carcerária brasileira, o que mostra a dimensão prática da tese.
O julgamento repetitivo permitirá uniformizar o entendimento nacional sobre dois pontos:e é cabível a reparação mínima por dano moral coletivo em condenações por tráfico; e Se esse dano é presumido ou depende de prova específica.
A Terceira Seção decidiu não suspender os processos em andamento, mas o resultado do julgamento formará tese obrigatória para os tribunais de todo o país, conforme o art. 927, III, do CPC.
Entendimento atual
Até agora, prevalece na jurisprudência do STJ a ideia de que o dano moral coletivo exige prova. A Corte Especial, no EREsp 1.342.846/RS, já afirmou que só cabe indenização quando há grave ofensa à moralidade pública e violação a valores fundamentais da sociedade, o que exige instrução probatória específica. As Turmas criminais vêm aplicando essa mesma linha, negando pedidos de indenização automática.
Mesmo assim, o número crescente de recursos sobre o tema levou o STJ a reconhecer a necessidade de fixar tese vinculante (Tema 1.337).
Por que isso importa
A decisão da Terceira Seção vai definir os limites entre a pena criminal e a reparação civil coletiva. Se o Tribunal entender que o dano moral é presumido, haverá ampliação do alcance reparatório das sentenças penais, com possíveis reflexos financeiros para condenados e políticas públicas de destinação dos valores. Se exigir prova específica, a indenização coletiva dependerá de ação própria, com demonstração do abalo moral à comunidade.
O julgamento, ainda sem data definida, deve marcar um divisor de águas na aplicação da responsabilidade civil no processo penal, delimitando até onde vai o poder do Estado de exigir compensações em nome da coletividade.
Síntese
Tema Repetitivo 1.337/STJ — “Analisar se é cabível a fixação de reparação mínima por danos morais coletivos em razão da condenação por crime de tráfico de drogas e, caso seja cabível, se o referido dano é presumido ou exige produção de prova específica.” Relator: ministro Rogério Schietti Cruz/ Órgão julgador: Terceira Seção/ Situação: afetado em 15 de abril de 2025 — mérito ainda pendente de julgamento
