A Desembargadora Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura, do Tribunal de Justiça, conheceu e deu acolhida a recurso do Estado do Amazonas, reformando a decisão do juiz Paulo Fernando Feitoza, que, acolhendo ação anulatória de multa, declarou inválida a sanção administrativa do Procon, imposta à Empreendedora Patri Imobiliários, por descumprimento de contrato com o consumidor. A decisão, em primeiro grau, acolheu os fundamentos da ação, anulando a multa, considerando que o promitente adquirente do imóvel em atraso havia celebrado um acordo com a empresa. O cerne da reclamação ao Procon foi o de que a construtora esteve em atraso por mais de 04 anos na entrega do imóvel, configurando-se o abuso, de então se formalizando o auto de infração e a aplicação da multa. O julgado rejeitou as conclusões de que a multa aplicada deveria ser invalidada.
Conquanto a decisão tenha sido alvo de recursos tanto da empreendedora quanto do Estado, o julgado rejeitou o recurso da imobiliária – dando-lhe dando desprovimento – e desfazendo a sentença de primeiro grau, com a improcedência do pedido de anulação, face ao reconhecimento da validade da multa aplicada pelo Procon – provendo-se o recurso do Estado.
A empresa havia recorrido porque fora condenada em sucumbência recíproca, não a aceitando porque, segundo a linha jurídico do recurso, as despesas com o processo deveriam ser suportadas totalmente pelo Estado. No julgamento, em segunda instância, no entanto, com a reforma da decisão, o julgado considerou que, face a derrota processual sobrevinda com os recursos, logrando-se vitorioso o Estado, o ônus sucumbencial deveria ser suportado integralmente pela incorporadora.
Diversamente do que foi defendido pela incorporadora, o julgado, em segundo grau, concluiu que a multa não foi aplicada unicamente pela ausência de apresentação de proposta de acordo, quando da não presença da imobiliária no Procon, mas pelo fato de que a conduta da empresa configurou má prestação do serviço, vício de qualidade, descumprimento de oferta e tentativa de retirada de vantagem excessiva em contrato de compra e venda.
De então, a multa aplicada teria sido formalizada dentro da legalidade pertinente, ante a constatação de infração, surgindo o dever do Procon de zelar pelo cumprimento da legislação consumerista e dos direitos básicos dos consumidores, coibindo a prática de abusos pelos fornecedores de produtos e serviços, com a obediência de formalidades que transpareceram evidentes na formalização da infração.
Quanto ao acordo realizado entre a empresa e o consumidor, o fato, segundo o julgado, não se mostrou suficiente para afastar a decisão sancionatória, especialmente porque há uma independência entre as instâncias civil e administrativa e em outras palavras, firmou o julgado “tanto a transação superveniente com o consumidor lesado quanto a reparação na esfera judicial não obstam a aplicação das sanções, pois estas objetivam a punição da parte pela infração às normas que tutelam as relações de consumo e não à solução de conflito individual verificado entre fornecedor e consumidor”.
Processo nº 0655965-93.2018.8.04.0001
Leia o acórdão:
Apelação Cível nº 0655965-93.2018.8.04.0001. Juiz: Paulo Fernando de Britto Feitoza. Apelante/Apelado: Patri Onze Empreendimentos Imobiliários Ltda.Apelado/ Apelante: Estado do Amazonas. Relatora: Desa. Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura
EMENTA. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO ANULATÓRIA. MULTA ADMINISTRATIVA APLICADA PELO PROCON. O SUPERVENIENTE ACORDO JUDICIAL NÃO IMPEDE A SANÇÃO. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS CIVIL E ADMINISTRATIVA. OBEDIÊNCIA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NO MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS
PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE NO QUANTUM FIXADO EM RAZÃO DA GRAVE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DO CONSUMIDOR. RECURSO DA
IMOBILIÁRIA PREJUDICADO. RECURSO DO ESTADO DO AMAZONAS CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. PEDIDO CONTIDO NA AÇÃO IMPROCEDENTE.
1. O inconformismo da imobiliária cinge-se na correção do dispositivo da sentença em virtude do acolhimento integral da pretensão que declarou a nulidade da multa administrativa e, consequentemente, a sucumbência integral do ente requerido. De outra banda, o ente pretende a reforma do comando sentencial para que a ação seja julgada improcedente ante a total regularidade procedimento administrativo n. 0113-003.096-1, que culminou na lavratura do Auto de Infração n. 268/2017 e multa no valor de R$256.268,17 pelo Procon. 2. A existência de acordo judicial superveniente entre o consumidor e a imobiliária não se mostra suficiente para afastar a decisão sancionatória, isso porque o art. 56, do CDC, estabelece a independência entre as instâncias civil, penal e administrativa 3. In casu, conforme apontado pelo próprio magistrado a quo, o processo administrativo n. 0113-003.096-1 (fls. 73-190) seguiu o seu trâmite regular estabelecido conforme os preceitos constitucionais e legais, uma vez respeitado o devido processo legal e as garantias do contraditório e ampla defesa da imobiliária. 4. A infração foi motivada na má prestação de serviço, vício de qualidade, descumprimento de
oferta e tentativa de retirada de vantagem excessiva em contrato de compra e venda, tendo em vista que o consumidor comprovou que não recebeu o imóvel, passados mais de cinco anos, e que havia efetuado o pagamento do valor de R$128.613,16. Portanto, diversamente do que defendido pela imobiliária, a sanção administrativa não foi aplica unicamente pela ausência de apresentação de proposta de acordo. 5. Ademais, o quantum arbitrado no valor de R$256.267,17 (pouco mais oitenta mil UFIR à época, fixado na decisão administrativa, observou a condição econômica da fornecedora,
empresa de elevado porte, as circunstâncias nas quais os fatos ocorreram, merecendo reprovação mais severa pela extensão do dano e sua gravidade no descumprimento da legislação consumerista, cominando valor que não se mostra excessivo ou desproporcional, observados os limites previstos em lei. 6. Outrossim, resta prejudicada a análise do apelo da imobiliária em pretende a sucumbência integral do ente requerido.
7. Recurso da imobiliária prejudicado. Recurso do Estado do Amazonas conhecido e provido.