A tese de que a retorsão imediata poderia neutralizar a injúria inicial — prevista no art. 140, §1º, II, do Código Penal — não se aplica quando a ofensa antecede a reação da vítima, ainda que esta tenha respondido fisicamente de forma reprovável.
Assim definiu a 9ª Vara Criminal de Manaus ao condenar um réu pelo crime de injúria qualificada contra pessoa idosa, entendendo que a agressão verbal dirigida ao próprio pai (“velho safado”) consumou-se antes de qualquer revide e, portanto, não pode ser apagada pelo episódio subsequente.
Segundo o magistrado Anésio Rocha Pinheiro, a retorsão funciona apenas como faculdade judicial de deixar de aplicar a pena quando a vítima reage com outra injúria, e não como mecanismo de absolvição quando o revide é posterior à ofensa dolosa. A lógica jurídica é simples: se a injúria já ocorreu, a reação não desfaz o crime, podendo no máximo influenciar a dosimetria.
Discussão familiar não descaracteriza injúria qualificada
Os autos descrevem que pai e filho discutiam sobre valores de aluguel quando o réu proferiu a expressão “velho safado”. A vítima, então reagiu com um tapa — fato utilizado pela defesa para pleitear absolvição. O juiz rejeitou o argumento, afirmando que a agressão verbal antecedente “maculou a honra subjetiva do ofendido utilizando-se de referência direta à sua condição de idoso”, o que atrai a incidência da qualificadora prevista no art. 140, §3º, do Código Penal, com pena de reclusão de um a três anos.
A sentença destaca que a discussão patrimonial não desnatura o dolo específico (animus injuriandi), pois a ofensa foi direcionada de modo claro e intencional para diminuir a dignidade do pai em razão da idade. Para o magistrado, o contexto familiar não transforma a injúria qualificada em mero desentendimento doméstico: “A carga de reprovabilidade da ofensa é elevada, sobretudo por se tratar de agressão verbal praticada contra ascendente idoso.”
Palavra da vítima mantém peso em delitos dessa natureza
Em consonância com precedentes do STF e do STJ, o juiz enfatizou que, em crimes contra a honra e casos envolvendo vulneráveis, a palavra da vítima assume relevância probatória qualificada, especialmente quando coerente com os demais elementos dos autos — como aconteceu na espécie. As declarações prestadas em juízo reproduziram com fidelidade o relato colhido na fase inquisitorial, reforçando a autoria e o dolo.
O magistrado também apontou que o acusado, apesar de revel na instrução, admitiu em sede policial a existência de discussões e ofensas, o que corroborou o conjunto probatório.
Intervenção penal é adequada quando dirigida à proteção do idoso
A defesa alegou ainda o princípio da intervenção mínima, pedindo que o conflito fosse tratado como mero desentendimento familiar já superado. A sentença afastou a tese: “O legislador, ao criar a forma qualificada da injúria contra o idoso, deixou patente a necessidade de tutela penal reforçada a essa categoria vulnerável.”
Assim, embora o direito penal seja ultima ratio, a proteção da dignidade do idoso justifica sua incidência quando a agressão ultrapassa os limites do conflito patrimonial e se converte em ato discriminatório.
Condenação mantida
Diante do conjunto probatório, o juiz concluiu estarem presentes tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, condenando o réu pelo crime previsto no art. 140, §3º, do Código Penal. A dosimetria da pena foi registrada na sentença, a ser executada nos termos legais.
Processo n.: 0437301-22.2023.8.04.0001
