O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública com pedido de tutela de urgência perante a Vara Única da Justiça Federal de Tabatinga (AM) para suspender e anular o “Contrato Marco de Comercialização de Soluções Baseadas na Natureza (SbN)” firmado entre a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e três empresas — a espanhola Biotapass S.L., a brasileira Comtxae Serviços Educacionais, Cultura e Tecnologia Ltda. e a argentina Cooperativa de Trabajo Integral Biota Ltda.
O contrato sob suspeita
Assinado em dezembro de 2022, o contrato concede às empresas direito exclusivo de registrar, certificar e comercializar créditos de carbono e outras SbN em toda a Terra Indígena Vale do Javari (TI VJ), região com quase nove milhões de hectares e que abriga o maior número de povos indígenas isolados do Brasil.
Segundo o MPF, o documento apresenta vícios insanáveis, pois trata a Univaja como “proprietária” da terra, em afronta ao art. 231 da Constituição, que define as terras indígenas como bens da União de usufruto exclusivo dos povos; foi celebrado sem autorização da Funai, responsável por autorizar ingresso e negociações em territórios indígenas.
Além disso, a ação aponta que o negócio desrespeitou o direito à consulta livre, prévia e informada previsto na Convenção 169 da OIT; impôs cláusulas abusivas, como a renúncia a indenizações e a transferência de direitos de imagem, propriedade intelectual e fiscalização ambiental às empresas estrangeiras; ameaça diretamente povos em isolamento voluntário, vulneráveis a contatos forçados e riscos de dizimação.
Pedido de indenização e nulidade absoluta
Na ação, o MPF pede que a Justiça declare a nulidade absoluta do contrato, por afronta direta ao regime jurídico das terras indígenas, ou, subsidiariamente, sua anulação pelos vícios de legalidade e consentimento. Também solicita a paralisação imediata de todas as atividades decorrentes do pacto, sob pena de multa.
O MPF requer, também, a condenação solidária das rés ao pagamento de R$ 10 milhões por danos morais coletivos, valor a ser revertido ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, podendo parte ser destinada a projetos de proteção dos povos do Vale do Javari.
Risco à soberania e aos direitos indígenas
Para o procurador da República Guilherme Diego Rodrigues Leal, autor da ação, o contrato transforma o usufruto coletivo indígena em objeto de monopólio privado, viola a soberania nacional ao conferir a empresas estrangeiras prerrogativas de fiscalização do território e coloca em risco a dignidade cultural e a integridade física dos povos da região.
“A floresta, os rios e os povos do Vale do Javari não são mercadorias a serem negociadas, mas herança viva da humanidade”, destacou o MPF no processo.
Processo n. 1000824-97.2025.4.01.3201