A edição da Lei nº 14.454/2022 consolidou o dever das operadoras de saúde de custear tratamentos prescritos pelo médico assistente, ainda que não constem do rol da ANS, retirando do plano a prerrogativa de recusar a cobertura e reforçando a tutela constitucional da dignidade da pessoa humana e do direito fundamental à saúde.
Sentença de Vara Cível de Manaus julgou procedente a ação contra a Geap Autogestão em Saúde por negar tratamento paliativo a uma beneficiária de 87 anos diagnosticada com câncer no pâncreas com metástase hepática. A decisão, assinada pelo juiz Manuel Amaro de Lima, reafirma que, desde a edição da Lei nº 14.454/2022, os planos de saúde estão obrigados a custear terapias prescritas pelo médico assistente, ainda que não constem do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Caso em exame
Após indicação médica de quimioterapia paliativa, a paciente teve a cobertura recusada pela operadora sob o argumento de ausência de biópsia comprobatória. Mesmo diante de laudos de imagem e marcadores tumorais, a negativa atrasou o início do tratamento e motivou a judicialização. Em sede de plantão, o juízo determinou a imediata autorização da quimioterapia, mas a Geap persistiu em impor entraves, inclusive adiando a inserção do cateter central (PICC) indispensável à continuidade da terapêutica.
Questão em discussão
A operadora alegou que a ausência do exame anatomopatológico inviabilizava a autorização do procedimento, sustentando ainda a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de autogestão. O magistrado rejeitou os argumentos, lembrando que a Súmula 608 do STJ não afasta a aplicação do CDC em hipóteses de vulnerabilidade do beneficiário, especialmente em se tratando de paciente idosa em estado terminal.
Razões de decidir
O juiz destacou que a Lei nº 14.454/2022 retirou dos planos de saúde a prerrogativa de negar tratamentos sob a justificativa de não estarem previstos no rol da ANS. Citou jurisprudência do STJ segundo a qual a recusa injustificada de cobertura agrava a aflição e enseja reparação por danos morais. Além disso, fundamentou a decisão nos arts. 1º, III, 6º e 196 da Constituição, que asseguram a dignidade da pessoa humana e o direito social à saúde, bem como no art. 4º, III, do CDC, que impõe a boa-fé objetiva nas relações de consumo.
“Não pode a operadora se imiscuir no tratamento indicado pelo médico, profissional habilitado para tal, sob pena de involução do quadro de saúde do paciente”, registrou o magistrado.
Dispositivo e tese
A sentença confirmou a liminar, obrigando a Geap a custear integralmente: quimioterapia paliativa com os medicamentos Gencitabina e Capecitabina; inserção do cateter PICC; radioterapia estereotáxica, sem exigência de biópsia adicional.
Em caso de descumprimento, foi fixada multa diária de R$ 2 mil, limitada a 30 dias, além da ratificação de penalidade anterior de R$ 30 mil. O juiz ainda condenou a operadora ao pagamento de R$ 15 mil por danos morais, ressaltando que a recusa injustificada agravou o sofrimento da paciente e violou sua dignidade.
Contexto jurídico
A decisão reflete a mudança legislativa promovida pela Lei nº 14.454/2022, que consolidou o dever das operadoras de saúde de custear tratamentos indicados por médicos, ainda que não estejam listados pela ANS. A norma, combinada com a jurisprudência do STJ e com os princípios constitucionais da dignidade e da saúde, amarra juridicamente os planos de saúde ao cumprimento da cobertura, restringindo práticas abusivas de negativa.
Autos nº: 0547624-60.2024.8.04.0001