STJ mantém envio a Júri de acusado por homicídio em vingança de facção criminosa no Amazonas

STJ mantém envio a Júri de acusado por homicídio em vingança de facção criminosa no Amazonas

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por decisão do Ministro Joel Ilan Paciornik, negou seguimento ao Habeas Corpus nº 982.889, impetrado em favor de Thiago Cunha Nascimento, acusado de integrar um grupo de traficantes que teria linchado até a morte Pablo Henrique Saraiva da Costa, no bairro São José, em Manaus, no contexto de vingança entre facções criminosas. A defesa buscava a despronúncia do acusado, alegando que os indícios de autoria derivariam exclusivamente de provas não judicializadas, baseadas em “ouvir dizer”.

É válida a decisão de pronúncia fundada em provas não repetíveis colhidas na fase inquisitorial, desde que corroboradas por outros elementos circunstanciais e testemunhos diretos de fatos anteriores ou posteriores ao delito, sendo inaplicável a teoria da perda da chance probatória quando ainda é possível a produção da prova em plenário do Júri. A presença de indícios de autoria e a materialidade comprovada autorizam o envio do feito ao julgamento popular, definiu o Ministro Joel Ilan Paciornik, do STJ. 

Os fatos examinados no Habeas Corpus

Três homicídios ocorridos em Manaus, entre os dias 16 e 17 de junho de 2022, estão na origem do caso: Richard Ítalo foi morto a facadas após Pablo Henrique, supostamente com autorização da chefia do tráfico, consumar o crime; em represália, integrantes do Comando Vermelho, facção à qual Richard pertencia, teriam assassinado Josias Felício — tio de Pablo — apenas por seu vínculo familiar, e, na sequência, lincharam o próprio Pablo Henrique. O habeas corpus julgado pelo STJ trata da pronúncia de Thiago Cunha, acusado de participar do último homicídio.

Segundo a acusação, Pablo Henrique teria matado a facadas o traficante Richard Ítalo, com autorização de lideranças do tráfico. Em retaliação, teria sido perseguido e executado no dia seguinte por membros do Comando Vermelho, facção da qual Richard fazia parte. O linchamento foi precedido por uma intensa movimentação durante a madrugada na frente da residência da vítima, como mostram gravações de câmeras de segurança. Além disso, o tio de Pablo, Josias Felício, também foi assassinado, em outro local, apenas por ser seu parente.

Fundamentos da pronúncia e controvérsia
A pronúncia foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) em Recurso em Sentido Estrito (0206471-23.2024.8.04.0001), que reconheceu a presença de indícios suficientes de autoria.

Esses indícios teriam sido evidenciados em duas declarações de testemunhas confidenciais colhidas em sede policial, nas quais Thiago é identificado como “Thiago Lutador”, integrante do grupo criminoso envolvido diretamente na execução de Pablo Henrique e Josias Felício. Para a ida de Thiago ao Júri, também se considerou a degravação de imagens de câmeras de segurança, considerada prova irrepetível, que captou movimentação intensa de pessoas desde a madrugada até o momento do crime, inclusive a presença do acusado no local.

Foram também considerados depoimentos circunstanciais de testemunhas ouvidas em juízo, como o morador Sebastião Lopes, que presenciou o momento em que o grupo invadiu o terreno onde a vítima foi encontrada morta, além de relatos de contexto criminal sobre o domínio territorial do grupo, práticas de intimidação e comemorações após os homicídios.

Tese da defesa e rejeição da “perda de chance probatória”
A defesa sustentou que a acusação se baseava unicamente em depoimentos não ratificados em juízo, desconsiderando que o Ministério Público abriu mão da oitiva de testemunhas importantes, frustrando, assim, a produção da prova. Alegou, ainda, que as imagens são de baixa qualidade e não demonstram que o acusado estava no carro apontado como o “veículo do Thiago Lutador”.

Contudo, o relator afastou a tese da perda da chance probatória, ressaltando que a fase do Júri ainda permite produção de prova em plenário, e que não houve inércia ou omissão do Estado suficiente para comprometer o contraditório. Ainda segundo o relator, os depoimentos das testemunhas protegidas não se limitam a “ouvir dizer”, pois descrevem fatos diretamente vivenciados ou presenciados, como a perseguição pública, os autores da execução e os motivos do crime.

Aplicação do art. 155 do CPP e jurisprudência
Com base no art. 155 do CPP, o relator destacou que as filmagens podem ser consideradas provas admissíveis por se tratarem de elementos cautelares e não repetíveis, especialmente quando corroboradas por outros indícios. A decisão citou precedentes recentes do STJ (AgRg no HC 864.229/RS; AgRg no AREsp 1.947.806/CE; REsp 2.161.398/SC) nos quais a pronúncia foi mantida com base em provas indiretas e irrepetíveis, reafirmando a função da pronúncia como juízo de admissibilidade da acusação, não de culpa.

Supressão de instância e prisão preventiva
Quanto à alegada ausência de fundamentação para a prisão preventiva, a Corte reconheceu que o TJAM não apreciou o tema, razão pela qual o argumento foi rejeitado por supressão de instância, conforme jurisprudência pacífica da Corte.

Resumo das teses firmadas:

A pronúncia exige apenas indícios de autoria e prova da materialidade, nos termos do art. 413 do CPP. É válida a utilização de provas não repetíveis, como imagens, desde que corroboradas por outros elementos. Depoimentos circunstanciais colhidos na fase policial são aptos a sustentar a pronúncia quando há conexão com o contexto e provas técnicas. Não se caracteriza perda da chance probatória quando a instrução pode ocorrer em plenário do Júri. Questões relativas à prisão preventiva não analisadas na origem não podem ser examinadas diretamente pelo STJ.

 NÚMERO ÚNICO:  0055288-02.2025.3.00.0000                     

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