Lei municipal que proíbe linguagem neutra em escolas é inconstitucional

Lei municipal que proíbe linguagem neutra em escolas é inconstitucional

Compete privativamente à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou inconstitucional uma lei de Sorocaba, que proibia o uso de linguagem neutra por instituições de ensino e bancas examinadoras de seleções e concursos públicos.

A Procuradoria-Geral de Justiça alegou que a lei é incompatível com a Constituição, pois, ao estabelecer normas gerais relacionadas à proteção da criança e do adolescente no âmbito do sistema educacional local, invadiu a competência normativa da União e dos Estados para legislar sobre o tema, usurpando ainda a competência privativa da União para traçar diretrizes e bases da educação nacional.

Além disso, para a Procuradoria, a lei não tratou de qualquer assunto de interesse local, sendo incompatível com a Constituição Estadual por configurar “verdadeira censura pedagógica e implicar ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana”. Por unanimidade, o colegiado julgou a ação procedente, sob relatoria do desembargador Vianna Cotrim.

“Em que pese a autonomia dos municípios para editar normas locais e se auto-organizarem, essa prerrogativa outorgada pela Constituição Federal não é absoluta, sujeitando-se aos limites definidos pela Lei Maior e pela respectiva Constituição Estadual, inclusive no que diz respeito às regras de repartição material de competências legislativas dos entes federados”, afirmou o relator.

 

Cotrim destacou que o artigo 22, inciso XXIV, da Constituição Federal reservou à União a competência privativa para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, conferindo aos Estados a competência concorrente e suplementar para editar normas de acordo com suas peculiaridades regionais no campo da educação e da proteção à infância e à juventude, complementando regras gerais de alcance nacional.

“Os municípios não detêm autonomia plena para legislar sobre educação, podendo editar normas complementares para regular as especificidades locais na área de ensino, respeitadas as diretrizes emanadas da União e do Estado”, disse Cotrim, que completou: “A competência suplementar não permite que o município restrinja o conteúdo do que deva ser ministrado na grade curricular de suas escolas e tampouco estabeleça regra específica sobre o modo de utilização da língua portuguesa.”

Conforme o magistrado, questões que dizem respeito ao ensino da língua portuguesa, de caráter obrigatório em todo território nacional e, portanto, submetidas à base nacional comum curricular, estão inseridas no espaço normativo da União, até porque qualquer alteração na base nacional depende de aprovação pelo Conselho Nacional de Educação e homologação pelo ministro da Educação.

“No caso, a proibição de utilização do gênero neutro e de novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa que não estejam inseridas nos conceitos de masculino e feminino não guarda relação com questões regionais ou locais próprias do município de Sorocaba, configurando o ato normativo vergastado não apenas invasão à competência legislativa da União, mas ofensa ao artigo 237, inciso VII, da Carta Bandeirante”, frisou Cotrim.

Dessa forma, para o desembargador, a lei implementou “verdadeira censura pedagógica”, violando o exercício da cidadania e os conceitos constitucionais de liberdade no aprendizado, do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.

“A conclusão, portanto, é de que o diploma normativo objurgado invadiu a esfera legislativa privativa da União, desbordando dos limites da competência legislativa suplementar do município, o que configura usurpação de competência, além de contrariar as bases ideológicas do sistema educacional nacional, malferindo os artigos 1º, 144 e 237, inciso VII, todos da Constituição Estadual”, concluiu.

Processo 2023218-23.2023.8.26.0000

Com informações do Conjur

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