A União Federal recorreu contra acórdão da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que manteve a condenação da União e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) à obrigação de concluir, em 24 meses, o procedimento de revisão da demarcação da Terra Indígena Waimiri-Atroari, localizada entre o Amazonas e Roraima.
A decisão, proferida na Apelação Cível nº 0006772-60.2013.4.01.3200 e relatada pelo juiz federal João Paulo Pirôpo de Abreu, entendeu que houve omissão prolongada da Administração Pública quanto à revisão dos limites da terra indígena, especialmente em relação às áreas alagadas pela Usina Hidrelétrica de Balbina, e que caberia ao Judiciário fixar prazo para o cumprimento do dever constitucional de proteção aos povos indígenas.
O que está em disputa
A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público Federal para discutir os efeitos da construção da Usina Hidrelétrica de Balbina, no rio Uatumã (AM), sobre o território do povo Waimiri-Atroari. Com a formação do reservatório da usina, na década de 1980, extensas áreas tradicionalmente ocupadas pela comunidade foram submersas, incluindo aldeias, locais de caça e sítios culturais.
Essas regiões, segundo o MPF, foram excluídas da demarcação oficial da Terra Indígena Waimiri-Atroari, embora a retirada dos indígenas não tenha sido voluntária, mas imposta pelo alagamento. Com base em laudos antropológicos, o MPF defende que essas terras continuam a integrar o território tradicional, ainda que fisicamente cobertas pelas águas do reservatório, e pede que a União e a Funai revisem a demarcação para reconhecer a extensão original da ocupação indígena.
A sentença da 7ª Vara Federal do Amazonas, mantida pelo TRF1, determinou que essa revisão fosse concluída em até dois anos, abrangendo as áreas alagadas e outras eventualmente excluídas da demarcação anterior.
Decisão do TRF1
Ao julgar as apelações, a 5ª Turma rejeitou os argumentos da União e da Funai de que não seria possível ampliar os limites da terra por ato administrativo nem impor prazo judicial à Administração. O colegiado considerou que a inércia estatal estava configurada desde 2008, quando o MPF expediu recomendação formal para revisão da demarcação, e que o Judiciário pode fixar prazo razoável para assegurar direitos fundamentais, sem violar a separação dos Poderes.
O acórdão também afastou a aplicação automática das condicionantes fixadas no caso Raposa Serra do Sol, por entender que não possuem efeito vinculante geral, e rechaçou a invocação genérica da reserva do possível para justificar a demora administrativa.
Embargos de declaração: nova lei e suspensão nacional
Nos embargos, a União sustenta que o acórdão é omisso e contraditório porque não considerou duas superveniências relevantes: (i) a Lei nº 14.701/2023, que reformulou o procedimento de demarcação de terras indígenas, impondo novas etapas e responsabilidades; e (ii) a decisão cautelar do ministro Gilmar Mendes nas ações ADC 87, ADIs 7.582, 7.583, 7.586 e ADO 86, que suspendeu nacionalmente os processos que discutem a constitucionalidade da nova lei e instaurou mesa de conciliação sobre a política de demarcações.
Segundo a União, manter o prazo de 24 meses e a multa diária contraria a ordem de sobrestamento emanada do STF e cria risco de conflito institucional. Alega ainda que a decisão não enfrentou a impossibilidade de ampliação territorial por autotutela administrativa, nem as restrições orçamentárias e a necessidade de coordenação entre os órgãos federais envolvidos.
Pedidos da União
Nos embargos, a União requer que o TRF1 suspenda a exigibilidade da obrigação de concluir a revisão da demarcação até decisão final do STF nas ações de controle de constitucionalidade; afaste a multa diária (astreintes) enquanto perdurar o sobrestamento; sobrestar o processo com base no art. 313, V, “a”, do CPC; ou, subsidiariamente, adequar o comando judicial às diretrizes que vierem a ser fixadas pelo STF na mesa de conciliação.