Transportar os passageiros em segurança é dever da companhia aérea, na qualidade de prestadora de serviço. Desse modo, na hipótese de confusão a bordo, a empresa não pode se eximir dessa responsabilidade, sob a justificativa de ocorrência de fortuito externo ou culpa exclusiva de terceiro.
Com essa fundamentação, a 24ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou provimento ao recurso da Gol e manteve a sentença que a condenou a indenizar por dano moral duas passageiras. Outros passageiros as agrediram devido à disputa por um assento ao lado da janela do avião.
Relatora da apelação, a desembargadora Claudia Carneiro Calbucci Renaux destacou a obrigação de os tripulantes, prepostos da recorrente, “assegurarem que os passageiros se sentem nas poltronas previamente adquiridas e mantenham a civilidade durante o embarque, voo e desembarque, justamente para evitar situações como a presente”.
Além do preço da passagem, as autoras pagaram taxa adicional na escolha dos assentos. Porém, uma mulher com criança de colo embarcou antes e ocupou uma dessas poltronas. Ao ser informada pelas apeladas de que aquele lugar havia sido previamente comprado por elas, essa mulher se recusou a sair, alegando ser necessário ter “mais empatia”.
Ao reivindicarem os seus direitos, as autoras (uma técnica de enfermagem e a sua filha, universitária) foram hostilizadas e agredidas por parentes da mulher que estava com a criança. A tripulação só interveio para retirar as vítimas do avião e realocá-las em outro voo Salvador-São Paulo.
Segundo a relatora, a situação extrapolou, em muito, o razoável, caracterizando os danos morais e o dever de indenizar. “As agressões verbais e físicas sofridas pelas autoras, que não tiveram suporte da ré dentro da aeronave para fazer cumprir as regras, evidenciam o dissabor e a aflição vivenciados em decorrência da falha na prestação dos serviços”.
Falha do serviço
Renaux baseou o seu voto na responsabilidade objetiva do transportador de pessoas, que independe de culpa, a teor do artigo 734 do Código Civil, e no artigo 20 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que trata da responsabilização do fornecedor pela falha do serviço oferecido.
A julgadora também citou o parágrafo 3º do artigo 14 do CDC, que prevê o afastamento da responsabilidade do fornecedor apenas se, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, ou na hipótese de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Os desembargadores Salles Vieira e Plinio Novaes de Andrade Júnior seguiram a relatora.
A Gol argumentou no recurso que houve culpa exclusiva de terceiro e das vítimas, postulando a improcedência da ação ou a redução da indenização de R$ 10 mil para cada autora. Porém, o colegiado considerou a quantia fixada na sentença adequada e razoável diante das especificidades da lide, sem evidenciar enriquecimento ilícito.
No caso concreto, o dano moral se revestiu de maior gravidade, conforme o acórdão, porque um preposto da ré deu entrevista à mídia imputando a agressão a uma das autoras. O colaborador da Gol disse que a confusão ocorreu porque ela não quis trocar de assento com passageiro menor de idade, da família dos outros envolvidos no conflito.
Como o preposto falou na condição de representante da autora, ela responde, mesmo não endossando a entrevista. “Cabe à ré, em querendo, voltar-se em regresso contra ele e os agressores, contudo, perante as autoras, consumidoras, deve honrar com a obrigação que a lei lhe impõe como prestadora de serviços de transporte aéreo”, concluiu a relatora.
A sentença que julgou a demanda procedente foi prolatada pelo juiz Sérgio Castresi de Souza Castro, da 4ª Vara de Cubatão. Apontando a “omissão” da tripulação, ele frisou que as companhias aéreas têm o dever, e não mera faculdade, de impedir que os passageiros de seus voos sentem em poltronas reservadas a terceiros.
1002791-02.2024.8.26.0157
Com informações do Conjur