Conversar com motorista de carro não justifica abordagem pessoal

Conversar com motorista de carro não justifica abordagem pessoal

A simples conduta de conversar com o motorista de um veículo estacionado, isoladamente considerada, não confere fundadas razões para a ocorrência do crime de tráfico de drogas, nem justifica a abordagem pessoal.

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem em Habeas Corpus para absolver um homem da condenação por tráfico. A decisão foi por maioria de votos.

A acusação decorreu da ação de guardas municipais que estavam em patrulhamento quando viram duas pessoas no que definiram como “atitude típica de venda de drogas”: uma delas estava no carro e conversava com outra, fora do veículo.

Por esse motivo, fizeram a abordagem. Com quem estava no automóvel, nada foi encontrado. Já com a pessoa da calçada, houve a apreensão de seis porções de crack e R$ 325,60. Os guardas ainda encontraram mais 62 porções da droga em um maço de cigarro no chão.

Abordagem pessoal ilegítima

Para o Tribunal de Justiça de São Paulo, as provas são válidas. Isso porque a abordagem se deu em área conhecida como ponto de tráfico de drogas. A corte estadual entendeu que dialogar com pessoa pela janela do veículo denota ação visado ao comércio de entorpecentes.

No entanto, o relator do Habeas Corpus, ministro Rogerio Schietti, destacou que a simples conduta de conversar com o motorista de um veículo, isoladamente considerada, não configura indício de porte de corpo de delito.

“Ainda que se admita que a guarda municipal pode executar buscas pessoais, assim como as polícias militares, não está dispensada de observar o requisito legal constante do artigo 244 do Código de Processo Penal.”

O relator foi acompanhado pelos ministros Sebastião Reis Júnior e Antonio Saldanha Palheiro, além do desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo. Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Og Fernandes.

Fundadas razões

Em sua análise, embora o simples ato de conversar com o motorista de um veículo não dê fundadas razões para a abordagem, o contexto geral descrito basta para justificar a percepção da ocorrência de um crime.

“Durante o patrulhamento em uma área conhecida como ponto de venda de drogas, é natural que os agentes suspeitem de um indivíduo que está próximo à janela de um veículo, conversando com o ocupante do banco do motorista”, disse o magistrado.

“A suspeita é, portanto, fundada nas circunstâncias do caso concreto, não se estando diante de denúncias anônimas genéricas ou de impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara.”

Jurisprudência paradoxal

As razões que permitem a abordagem de pessoas na rua ainda estão sendo analisadas e definidas pela jurisprudência do STJ, tribunal responsável por dar a última palavra na interpretação do Direito Federal.

A premissa básica é a de que são necessárias fundadas razões que possam ser concretamente aferidas e justificadas a partir de indícios. Isso elimina a ação baseada exclusivamente na percepção policial. Na prática, sabe-se que essas ações são contaminadas por preconceitos de classe ou raça.

Aos poucos, porém, o STJ percebeu que essa análise precisaria ser mais flexível. Assim, denúncia anônima e intuição policial não justificam que alguém seja parado e revistado na rua. Por outro lado, fugir ao ver a polícia é motivo suficiente.

Entre os exemplos de construção dessa jurisprudência, estão os julgados em que o STJ concluiu ser ilegal a ação da polícia motivada pelo mero fato de duas pessoas estarem em uma moto ou pelo motorista estar usando capacete em local onde isso não é a praxe.

Estar em ponto de tráfico e ser conhecido no meio policial também não bastam para esse tipo de ação dos agentes, assim como titubear ou parecer querer fugir ao ver a viatura.

Em sentido oposto, demonstrar nervosismo ao ver a presença policial pode bastar para a busca pessoal, desde que aliado a outros fatores.

HC 849.754

Com informações do Conjur

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