Juíza reconhece violação à dignidade humana e condena autarquia a pagar R$ 100 mil após servidor ser alojado em área degradante em operação de combate ao fogo.
A 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Amazonas reconheceu que a Administração Pública violou a dignidade humana do agente ambiental ao submetê-lo a condições degradantes durante uma operação de combate a incêndios florestais na Amazônia. No centro da decisão está a constatação de que, mesmo em missões emergenciais e de alto risco, o Estado não pode relativizar direitos mínimos de higiene, segurança e respeito básico ao trabalhador, sob pena de incidir em responsabilidade civil objetiva.
Em sentença a 1ª Vara Federal Cível da SJAM condenou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ao pagamento de R$ 100 mil de indenização por danos morais a um brigadista. O servidor temporário foi mobilizado em dezembro de 2024 para combater um incêndio de nível 3 — o mais intenso da classificação — na Reserva Extrativista Verde para Sempre, em Porto de Moz (PA).
O ponto determinante da condenação foi a constatação de que o brigadista foi forçado a dormir e se alimentar em condições completamente incompatíveis com a dignidade humana, em ambiente que a própria autarquia admitiu ser utilizado por porcos, galinhas e búfalos, debaixo de uma palafita improvisada. A magistrada classificou a situação como “tratamento degradante, vedado pelo artigo 5º, III, da Constituição”.
A missão e a precariedade estrutural
Contratado temporariamente para atuar na Floresta Nacional do Iquiri (AM), o servidor foi deslocado em caráter emergencial para a missão no Pará no ano passado. Segundo relatado na inicial e confirmado por documentos anexados pelo próprio ICMBio, a operação não contou com base estruturada, sanitários adequados, refrigeração segura para alimentos ou alojamentos minimamente dignos.
A autarquia sustentou que havia quatro opções de hospedagem — base flutuante, varanda de comunitário, área para barracas e outra propriedade — e que o local degradante escolhido não fazia parte das alternativas oficiais. O argumento, no entanto, foi afastado pelo juízo.
Para a magistrada, a precariedade não decorre de “escolha pessoal”, mas de “falha institucional de planejamento”, pois as alternativas não ofereciam condições reais de descanso ou segurança sanitária, em contexto de exaustão extrema e calor intenso. A sentença aponta que a Administração não poderia “transferir ao trabalhador o ônus de improvisar o próprio local de sobrevivência em meio à operação”.
Violação direta à dignidade humana
O núcleo decisório está na constatação de que o Estado incorreu em omissão específica na proteção ao trabalhador, descumprindo o dever constitucional de garantir condições mínimas de segurança e saúde (art. 7º, XXII, CF) e a proteção prevista na Convenção 155 da OIT.
Segundo a sentença “submeter um brigadista — que arrisca a vida pela coletividade — a alojar-se em área com dejetos animais é violar frontalmente o texto constitucional que proíbe tratamento desumano ou degradante.” O juízo observou que a responsabilidade civil do ICMBio é objetiva, bastando o dano e o nexo com a falha administrativa.
Indenização integral
A juíza sentenciante fixou o valor da indenização em R$ 100 mil, exatamente o montante pedido na inicial, destacando as funções compensatória, punitiva e pedagógica da reparação. Para ela, o caso exige resposta firme porque expôs o trabalhador a risco sanitário severo; promiscuidade com dejetos animais; alimentação comprometida por falha de refrigeração; ausência de saneamento; e quadro geral de negligência administrativa durante mais de 20 dias.
Processo 1007003-50.2025.4.01.3200
