O Estado do Amazonas levou ao Supremo Tribunal Federal uma Reclamação Constitucional contra decisão das Câmaras Reunidas do Tribunal de Justiça que manteve ordem judicial para a lotação de cinco médicos na unidade hospitalar de Envira. Para a Procuradoria-Geral do Estado, a determinação — feita sem apresentação prévia de plano técnico — não segue as balizas fixadas pelo STF no Tema 698 da repercussão geral, que disciplina a forma de intervenção do Judiciário em políticas públicas de saúde.
A controvérsia começou em 2015, em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público estadual após inspeção constatar a ausência de médicos no hospital do município. O juízo de primeiro grau determinou que o Estado lotasse três clínicos gerais, um cirurgião e um obstetra, decisão mantida em apelação.
Embargos de declaração prequestionadores foram rejeitados e, posteriormente, a Vice-Presidência do TJAM negou seguimento ao Recurso Extraordinário do Estado. As Câmaras Reunidas confirmaram a negativa e aplicaram multa de 2% por entender que o agravo interno tinha caráter protelatório.
Na reclamação apresentada ao Supremo, o Estado afirma não discutir a necessidade de aprimorar o serviço, mas sim a metodologia imposta pela decisão. Sustenta que o TJAM aplicou apenas o item I do Tema 698 — que admite intervenção judicial em caso de deficiência grave do serviço — mas ignorou os itens II e III, que exigem modelo decisório distinto: em vez de determinar medidas pontuais, a decisão judicial deve apontar finalidades e exigir da Administração a apresentação de um plano ou dos meios adequados para atingir o resultado.
A petição destaca trechos do voto do ministro Luís Roberto Barroso, redator para o acórdão no Tema 698, segundo o qual decisões casuísticas que impõem quantitativos específicos de profissionais “desorganizam a Administração, desconsideram os limites técnicos e orçamentários e afastam a racionalidade exigida na gestão do SUS”.
A PGE também menciona precedente recente do STF envolvendo o próprio Amazonas — a Rcl 68.393, relatada pelo ministro André Mendonça — em que a Corte considerou incompatível com o Tema 698 a ordem judicial que impunha contratações específicas de profissionais da saúde sob pena de multa. Nesse julgado, o Supremo reiterou que o Judiciário pode intervir, mas não deve substituir o gestor nas escolhas técnicas, devendo limitar-se a definir a finalidade e acompanhar a execução, preservando a discricionariedade administrativa.
O Estado pede liminar para suspender a eficácia do acórdão do TJAM, alegando impacto orçamentário imediato e necessidade de planejamento adequado para provimento de profissionais em município de difícil acesso. Sustenta ainda que a imposição direta de cinco médicos, sem análise de dados epidemiológicos, sem observância de diretrizes do SUS e sem avaliação do fluxo de atendimentos, contraria o próprio modelo de decisão estrutural defendido pelo STF.
Ao final, requer que o Supremo casse a decisão reclamada e determine que o TJAM reaplique o Tema 698 segundo as diretrizes fixadas pela Corte: definições de metas, apresentação de plano e escolha técnica dos meios — seja concurso, remanejamento ou contratação por OS/OSCIP — sem imposições pontuais. O caso será examinado pelo Ministro Flávio Dino.
