Decisão do Juízo da Fazenda Pública de Manaus reafirma o alcance do art. 5º, XLIX, da Constituição Federal e aplica a tese do STF sobre dever de proteção em ambiente prisional. O juiz Paulo Fernando de Brito Feitoza definiu que, ao manter o preso sob sua guarda, o Estado tinha o dever de protegê-lo e que a falha nesse cuidado foi o que levou à morte dentro do presídio. Logo, cabe ao Estado indenizar.
O dever do Estado diante de pessoas privadas de liberdade não se limita à restrição física da locomoção. Ele compreende um conjunto de obrigações positivas — prevenção, vigilância, guarda e cuidado — que decorrem diretamente do artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o qual assegura aos presos o respeito à integridade física e moral.
Essa estrutura de deveres serviu de fundamento a sentença do Juiz Paulo Fernando de Brito Feitoza, que define o Estado como garantidor de direitos não atingidos pela perda de liberdade do preso. Neste contexto, a decisão reconhece a responsabilidade civil objetiva do Estado do Amazonas pela morte de um detento dentro do Instituto Penal Antônio Trindade (IPAT) e manda indenizar em R$ 50 mil.
De acordo com os autos, o reeducando — pai do autor da ação — foi encontrado morto no interior da unidade prisional, em 2019. O juízo entendeu que, independentemente da forma como o evento ocorreu, a custódia impõe ao Estado o dever específico de proteção, e a falha nesse dever caracteriza omissão administrativa com nexo causal direto para o resultado.
Tema 592 e a posição de garantidor
Em sua fundamentação, o magistrado aplicou o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 592 da repercussão geral, segundo o qual: “Em caso de inobservância do dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento.”
O juízo destacou que, ao assumir a custódia do preso, o ente público passa a deter controle integral sobre seu ambiente e suas condições de segurança, razão pela qual eventos como agressões, suicídios ou mortes violentas tornam-se juridicamente previsíveis. Essa previsibilidade não decorre do conhecimento concreto do evento, mas da natureza do vínculo de custódia e do dever estatal de prevenir e vigiar continuamente.
A decisão ressalta que “mesmo nos casos de morte por suicídio, a jurisprudência pátria reconhece a responsabilidade do Estado pela omissão no dever de vigilância dos presos”, citando precedentes do STJ e tribunais estaduais que qualificam tais situações como casos fortuitos internos, e não excludentes de responsabilidade.
Dever de indenizar e função pedagógica da decisão
Ao reconhecer a omissão específica e o nexo causal, o juízo estabeleceu que a responsabilidade civil do Estado é objetiva, bastando a comprovação do dano e da falha na vigilância. Além do reconhecimento do dever de indenizar, a sentença sublinhou o caráter pedagógico das condenações dessa natureza, observando que a reparação não busca apenas compensar o sofrimento, mas prevenir a reiteração de condutas negligentes na gestão prisional.
“A indenização do dano extrapatrimonial assume caráter compensatório e educativo, buscando coibir a repetição da mesma conduta”, registrou o magistrado, citando precedentes do TJAM que reafirmam a necessidade de prudência e proporcionalidade na fixação do valor indenizatório.
O caso reafirma a eficácia direta dos direitos fundamentais na execução penal e reforça a compreensão de que o Estado, ao restringir a liberdade de alguém, assume deveres acrescidos de proteção. A decisão ensina que a responsabilidade do Estado por omissão não nasce do imprevisível, mas do previsível que não foi evitado.
Processo n. 0665533-94.2022.8.04.0001
