A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) manteve a indisponibilidade de bens de réu em ação de improbidade administrativa, mesmo após reconhecer a prescrição punitiva, sob o fundamento de que o bloqueio patrimonial ainda é necessário para garantir o eventual ressarcimento ao erário.
O caso foi relatado pelo desembargador Edilson Vitorelli, que, embora tenha declarado a extinção da pretensão sancionatória, entendeu que o dever de recompor o patrimônio público não se sujeita à mesma lógica da sanção disciplinar.
Prescrição e segurança jurídica
O relator reconheceu que os fatos imputados remontavam a 2011, e que, conforme o artigo 23 da redação original da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), o prazo prescricional de cinco anos havia se encerrado em 30 de setembro de 2016, antes do ajuizamento da ação pelo Ministério Público, ocorrido em 18 de outubro daquele ano.
Apesar disso, Vitorelli fez duras críticas ao instituto da prescrição, sustentando que ela não representa incremento real de segurança jurídica, mas apenas uma proteção indevida a quem transgrediu a ordem legal:
“A prescrição, ao impedir a discussão do conflito material, não incrementa a segurança jurídica da sociedade, mas apenas a de quem está errado, a de quem violou as normas jurídicas. Não há, portanto, direito fundamental à segurança jurídica para quem pratica atos graves, mas sim dever fundamental de punir as violações a direitos”, afirmou o magistrado.
O desembargador citou ainda o precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde v. Brasil, em que se reconheceu a imprescritibilidade do crime de redução à condição análoga à escravidão, como exemplo de limitação legítima à prescrição em face de violações graves a direitos humanos.
Indisponibilidade cautelar e ressarcimento
Mesmo reconhecendo o transcurso do prazo prescricional para aplicação de sanções, o relator destacou que a pretensão de ressarcimento ao erário tem natureza distinta, e que a manutenção do bloqueio de bens é medida de caráter cautelar para prevenir a dissipação patrimonial.
Segundo Vitorelli, a liberação dos bens poderia frustrar eventual recomposição do dano ao patrimônio público, caso viessem a ser reconhecidos prejuízos em ação cível autônoma.
“Diante disso e com fundamento no poder geral de cautela, dou parcial provimento a este agravo apenas para determinar que o juízo recorrido profira nova decisão acerca da manutenção da indisponibilidade de bens, com fundamento não na Lei de Improbidade, mas sim na lei processual civil para fins de ressarcimento ao erário”, concluiu.
Implicações do precedente
A decisão introduz um entendimento de transição entre o regime antigo da Lei de Improbidade e o novo modelo inaugurado pela Lei nº 14.230/2021, que reforçou a natureza sancionatória da improbidade e delimitou a imprescritibilidade do ressarcimento.
Para analistas, o voto de Vitorelli reafirma a ideia de que a prescrição não impede a tutela patrimonial do Estado, sobretudo quando há fortes indícios de dano ao erário e riscos de dilapidação de bens.O fundamento desloca o debate do campo sancionatório para o âmbito da responsabilidade civil, permitindo que o bloqueio de ativos seja sustentado com base no artigo 301 e seguintes do Código de Processo Civil, independentemente do desfecho da ação de improbidade.