A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que atendeu a um pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para permitir que o Judiciário utilize receitas próprias fora dos limites do arcabouço fiscal gerou um efeito colateral inesperado — e possivelmente nocivo ao próprio beneficiado.
A medida, que pretendia ampliar o espaço para gastos, resultou na redução do teto de despesas da Justiça para 2025, podendo implicar um corte de até R$ 1,465 bilhão, segundo o Ministério do Planejamento e Orçamento.
Na prática, a exclusão dessas receitas da base de cálculo do arcabouço, embora tratada como conquista institucional, passou a funcionar como um “cavalo de Troia”: ao recalcular os limites de acordo com a decisão do STF, o Executivo Federal identificou que os valores de receitas próprias em 2023 — ano base do regime fiscal — eram maiores do que os previstos para 2025, o que puxou o teto para baixo. Ou seja, a retirada dessas despesas do cálculo reduziu o limite autorizado para os próximos anos.
Segundo relatório divulgado em 22 de maio, o impacto já retirou R$ 87,3 milhões do Judiciário. E esse valor pode crescer caso prevaleça, no STF, a tese de que as custas judiciais também devem ser tratadas como receitas próprias.
Julgamento no STF pode ampliar impacto
Esse ponto específico está sendo julgado em plenário virtual desde 27 de junho, em recurso apresentado pela União. O relator, ministro Alexandre de Moraes, já rejeitou o pedido e reafirmou que as custas são receitas próprias, devendo ser excluídas da base do arcabouço. Os demais ministros têm até 5 de agosto para votar.
Se o voto do relator for seguido, o impacto total da decisão poderá ultrapassar R$ 1,4 bilhão — com prejuízos distribuídos principalmente entre a Justiça do Trabalho (R$ 767,2 milhões), a Justiça Federal (R$ 325,2 milhões) e a Justiça Eleitoral (R$ 176,1 milhões). Apenas o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) escaparia de cortes significativos.
Regras fiscais e reinterpretação técnica
A equipe econômica justificou a medida com base na metodologia prevista no próprio arcabouço fiscal, que exige revisão da base de cálculo sempre que há inclusão ou exclusão de despesas excepcionadas. O procedimento já foi adotado sob o antigo teto de gastos e no novo regime, inclusive beneficiando o próprio Judiciário em ocasiões anteriores.
Em 2023, as receitas próprias somaram R$ 52,5 milhões, enquanto a projeção para 2025 é de apenas R$ 30,5 milhões. Quanto às custas judiciais, a arrecadação foi de R$ 1,12 bilhão em 2023, contra R$ 1,04 bilhão previstos. Como a base histórica era maior, a simples retirada desses valores do cálculo final diminui o limite atual.
Governo teme “solução alternativa” do STF
A equipe econômica já expressou preocupação com o desfecho do julgamento. O receio é que, diante do efeito adverso sobre os tribunais, o STF proponha uma solução alternativa para “corrigir” o prejuízo — o que, do ponto de vista fiscal, aumentaria a despesa pública num momento de forte restrição orçamentária e elevação da dívida.
No mérito, o governo nunca apoiou a exclusão das receitas próprias do arcabouço, por entender que isso abre precedentes perigosos e enfraquece o controle fiscal. Ainda assim, reconhece que uma eventual elevação das receitas nos próximos anos poderá reverter ou amenizar os cortes impostos no momento atual.