STF começa a julgar recurso sobre uso de trajes religiosos em fotos de documentos

STF começa a julgar recurso sobre uso de trajes religiosos em fotos de documentos

O Plenário do Supremo Tribunal Federal começou a analisar nesta quinta-feira (8/2) se pessoas que usam trajes religiosos que cobrem a cabeça ou parte do rosto têm o direito de aparecer em fotografias de documentos oficiais de identificação com essa vestimenta. Na sessão, o relator da matéria e presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, apresentou seu relatório e, em seguida, as partes e as entidades e instituições admitidas como interessadas no processo fizeram suas sustentações orais. O julgamento será retomado em data ainda a ser marcada, com os votos dos ministros. A matéria é tema de recurso extraordinário com repercussão geral (Tema 953).

O caso teve origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a União e o Departamento de Trânsito do Estado do Paraná (Detran-PR) a partir da representação de uma freira que foi impedida de utilizar o hábito religioso na foto que fez para renovar sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A foto da carteira anterior e de sua identidade havia sido feita com o traje. O MPF buscou assegurar que as religiosas com atuação em Cascavel (PR) pudessem renovar a CNH sem o impedimento. A Justiça Federal, em primeira instância, julgou procedente o pedido.

No julgamento da apelação da União, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) manteve a sentença, tendo aplicado ao caso o inciso VI do artigo 5º da Constituição Federal, que assegura a liberdade de crença e garante proteção às suas liturgias. A corte regional reconheceu o direito ao uso do hábito e afastou a aplicação de dispositivo da Resolução 192/2006 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que proíbe a utilização de itens de vestuário ou acessório que cubra a cabeça ou parte do rosto.

No STF, a União, autora do recurso, pediu a reforma da decisão do TRF-4 sustentando que a liberdade religiosa não pode se sobrepor a uma obrigação comum a todos os cidadãos.

Da tribuna, a representante da União Nacional das Entidades Islâmicas (UNI), Quesia Barreto dos Santos, defendeu que o uso do hábito, do véu islâmico ou de quaisquer vestes dessa natureza é prática religiosa e que sua retirada em público equivaleria a exigir que uma mulher não muçulmana retirasse sua camisa para uma foto de identificação. No mesmo sentido, o defensor público da União Claudionor Barros Leitão argumentou que a liberdade religiosa não compreende apenas a liberdade de culto, mas envolve também as diversas práticas e formas com se exteriorizam as crenças.

O advogado da Associação Nacional de Juristas Islâmicos (Anaji), Girrad Mahmoud Sammour, disse que a situação trazida nos autos é mais um caso da intolerância religiosa que submete diariamente mulheres que usam véu a constrangimentos e humilhações. Pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), a advogada Stefanne Amorim Ortelan afirmou que, entre os dois direitos — liberdade religiosa e segurança pública — ,deve-se procurar uma solução que preserve os dois núcleos.

Por fim, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, também se manifestou contra a exigência da retirada do véu para a identificação. A seu ver, o uso do véu não impede o propósito da identificação.

Intolerância
Após as sustentações orais, o ministro Luís Roberto Barroso se manifestou, em nome do Poder Judiciário, contra a violência religiosa. “A intolerância religiosa não é característica do povo brasileiro. Nunca foi e não pode passar a ser. Portanto, o Poder Judiciário brasileiro rejeita todo tipo de animosidade de natureza religiosa.”

O ministro afirmou que católicos, evangélicos, judeus, pessoas que professam religiões africanas, budistas, todos têm o seu lugar e são tratados com respeito e consideração. Ele lembrou que a islamofobia que se manifestou depois do 11 de setembro de 2001, dia dos atentados terroristas contra os Estados Unidos, e do 7 de outubro de 2023, data do ataque do Hamas em Israel, não se justifica. “Toda generalização é injusta.”

Barroso também repudiou a onda de antissemitismo que se espalhou pelo mundo e que teve manifestações no Brasil após a reação de Israel ao ataque do Hamas. O episódio, disse ele, “revive no povo judeu os horrores de tempos passados”.

“Não há sentido em importarmos para o Brasil uma guerra que não é nossa, e afetar e contaminar um povo que sempre viveu em paz”, afirmou Barroso. Para o ministro, é preciso praticar o que está no coração de muitas religiões: não fazer aos outros o que não se gostaria que fizessem a nós mesmos. “Isso está na Torat, está nos Evangelhos, está nos mandamentos de Maomé, e não há nenhuma razão para no Brasil e no mundo, se possível, deixar de ser assim.”

RE 859.376

Com informações do STF

 

Leia mais

MPAM divulga resultado dos recursos da prova discursiva; lista final de aprovados sai nesta sexta (12/12)

O Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM), por meio do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf), disponibilizou o resultado do julgamento dos...

Banco é condenado após cliente sofrer golpe da falsa central de atendimento em Manaus

Contrato de empréstimo fraudulento realizado por meio do “golpe da falsa central de atendimento", em que terceiros usam de informações sensíveis e mascaram o...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

MPAM divulga resultado dos recursos da prova discursiva; lista final de aprovados sai nesta sexta (12/12)

O Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM), por meio do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf), disponibilizou...

Banco é condenado após cliente sofrer golpe da falsa central de atendimento em Manaus

Contrato de empréstimo fraudulento realizado por meio do “golpe da falsa central de atendimento", em que terceiros usam de...

STF deixa votação do marco temporal para ano que vem

O Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou nesta quinta-feira (11) a fase de sustentações das partes envolvidas em quatro processos...

TRT-MG confirma justa causa de técnica de enfermagem por falha em procedimento de hemodiálise

A Justiça do Trabalho confirmou a dispensa por justa causa de uma técnica de enfermagem que trocou materiais de...