No início parecia só mais um desconto estranho no contracheque, daqueles que o consumidor só percebe quando o dinheiro já fez falta no fim do mês. Uma assinatura eletrônica, uma selfie e cópias de documentos foram usadas para sustentar um contrato que a cliente jura nunca ter assinado. O banco insistiu na validade do negócio, a Justiça do Amazonas viu fragilidade na prova e o caso foi ao STJ, que confirmou a decisão do TJAM.
A Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas declarou a nulidade de contrato de empréstimo consignado firmado por assinatura eletrônica, por ausência de comprovação da autenticidade, e condenou o Banco Daycoval S.A. a restituir em dobro os valores descontados da consumidora, além de indenizá-la em R$ 5 mil por danos morais.
A tentativa da instituição financeira de reformar a decisão relatada pelo Desembargador João de Jesus Abdala Simões, não prosperou no Superior Tribunal de Justiça, que rejeitou agravo em recurso especial por falha técnica de impugnação.
Caso em exame
A consumidora alegou não ter contratado o empréstimo que gerou descontos em seu benefício. O banco apresentou como prova uma assinatura eletrônica, selfie e cópias de documentos. Para o TJAM, tais elementos não asseguravam que a contratação foi realizada pela autora.
A sentença de primeiro grau havia julgado improcedente a ação, mas, em apelação, o tribunal reformou a decisão: declarou nulo o contrato eletrônico, reconheceu a cobrança indevida e aplicou o art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, determinando a devolução em dobro e fixando indenização moral em R$ 5 mil.
Questão em discussão
O Banco Daycoval interpôs recurso especial ao STJ, alegando enriquecimento sem causa da consumidora, já que os valores teriam sido depositados em sua conta, e defendendo a necessidade de compensação financeira. A Vice-Presidência do TJAM, entretanto, negou seguimento ao recurso com base na Súmula 283 do STF, por ausência de impugnação suficiente a todos os fundamentos do acórdão.
Contra essa decisão, o banco apresentou agravo em recurso especial (AREsp 3.009.382/AM).
Razões de decidir
O relator, ministro Herman Benjamin, concluiu que o agravo não poderia ser conhecido. Destacou que a decisão que inadmite recurso especial tem dispositivo único e incindível, de modo que a parte recorrente deve combater todos os fundamentos adotados para a negativa de seguimento.
No caso, o Daycoval concentrou sua insurgência em aspectos de mérito (compensação e devolução de valores), mas não enfrentou integralmente a fundamentação processual que sustentou a inadmissão do recurso. Para o ministro, essa falha viola o princípio da dialeticidade recursal, atraindo a incidência do art. 932, III, do CPC e da jurisprudência consolidada da Corte.
Além de manter a decisão do TJAM, Herman Benjamin majorou em 15% os honorários advocatícios já fixados nas instâncias ordinárias, conforme o art. 85, §11, do CPC.
NÚMERO ÚNICO: 0562542.06.2023.8.04.0001