Não detectar como suspeita uma operação bancária incompatível com o perfil do cliente e recusar o estorno do valor transferido após ser alertada sobre a ocorrência de fraude revelam falha no serviço prestado pela instituição financeira e a sujeitam a responder por danos material e moral.
Essa conclusão foi adotada pelo juiz Fernando de Oliveira Mello, da 8ª Vara Cível de Santos (SP), ao condenar o Bradesco a ressarcir em R$ 4.899,80 uma cliente que foi vítima do “golpe da maquininha” e indenizá-la em R$ 5 mil, a título de dano moral. O banco recorrerá da decisão.
A sentença acolheu pedido do advogado Rafael Fernandes Ribas de Camargo para que fosse aplicado o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), em especial o artigo 14, conforme o qual o fornecedor responde, independentemente de culpa, pelos danos que causar aos consumidores por defeito na prestação de serviços.
“O próprio banco mantém setor específico denominado ‘antifraude’, cuja finalidade precípua é identificar transações suspeitas e proteger os consumidores. A manutenção de tal setor implica o dever de utilizá-lo adequadamente, sob pena de caracterizar defeito na prestação do serviço, nos termos do artigo 14 do CDC”, assinalou o juiz.
Duas súmulas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também embasaram a decisão. A de número 297 estabelece que o CDC é aplicável às instituições financeiras. A outra é a 479, segundo a qual os bancos respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e por delitos de terceiros no âmbito de operações bancárias.
Coca-Cola amarga
A autora é uma professora e, segundo a inicial, foi enganada ao comprar uma Coca-Cola de dois ambulantes ao sair do estádio da Vila Belmiro. Pelo refrigerante, os vendedores cobraram R$ 7. No entanto, sem que ela percebesse, a dupla digitou na maquininha a quantia de R$ 4.899,80, parcelada em duas vezes.
A pedido dos golpistas, a professora inseriu duas vezes o seu cartão no equipamento, porque os golpistas alegaram que houve “erro de leitura” em ambas. Sem constatar naquele momento que a fraude já estava consumada, ela fez a terceira tentativa de pagamento, desta vez por meio de Pix, e adquiriu a bebida.
Após ir embora, porém, em menos de 10 minutos, a autora consultou o extrato por meio do aplicativo bancário e verificou a operação indevida por meio do cartão. Imediatamente, comunicou o Bradesco sobre o golpe, mas ele não realizou o estorno sob a alegação de que a transação foi realizada com cartão físico e uso de senha.
Segundo o advogado, o banco falhou porque o seu setor antifraude não alertou a cliente sobre uma transação atípica, fora do perfil de consumo dela, e porque não realizou o estorno ao ser logo avisado sobre o golpe. Rafael Camargo acrescentou que a recusa do réu em ressarcir a autora ainda lhe impôs dano moral indenizável.
Contestação
O Bradesco sustentou ilegitimidade passiva, argumentando que o golpe foi cometido exclusivamente por terceiros e com culpa da própria autora. No mérito, negou falha na prestação de serviços, porque a transação foi realizada mediante autenticação do cartão por chip e senha pessoal da autora, conforme os parâmetros de segurança do banco.
A instituição financeira afirmou que divulga campanhas na mídia para conscientizar os clientes sobre golpes e contestou a atipicidade da transação, pois ela estava dentro do limite de crédito disponível. Por fim, defendeu que a análise de perfil de cliente não constitui obrigação contratual do banco, mas mera liberalidade.
De acordo com Fernando Mello, a tese defensiva de culpa exclusiva da vítima não prospera. “Não se pode exigir do consumidor, em situação de compra rotineira, que desconfie de todo e qualquer comerciante ou que examine minuciosamente cada detalhe da transação, sob pena de tornar inviável o próprio sistema de pagamentos eletrônicos”.
O juiz destacou na sentença que a recusa em proceder ao estorno, fundamentada apenas na alegação de que a transação foi realizada com chip e senha, “revela postura inadequada da instituição financeira e caracteriza descumprimento do dever de cooperação e lealdade contratual”.
Quanto ao dano moral, o julgador observou que ele prescinde de prova, pois deriva da própria situação vivenciada pela autora, “que se viu privada de quantia significativa em relação à sua renda, além de ter enfrentado o descaso do banco quando buscou a solução do problema”.
O magistrado considerou a indenização de R$ 5 mil adequada aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, e em conformidade com julgados dos tribunais em casos similares. O banco também deverá arcar com as custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios, arbitrados em 15% sobre o valor total da condenação.
1005762-69.2025.8.26.0562
Com informações do Conjur