Quando o contrato é anulado por erro de negócio, o consumidor tem direito à devolução em dobro do que pagou a mais. Mas o Tribunal de Justiça do Amazonas fixou que os valores efetivamente recebidos — saques ou compras feitos com o cartão consignado — devem ser abatidos do cálculo, de modo que o ressarcimento incida apenas sobre o excedente. A medida evita que a restituição judicial se transforme em enriquecimento sem causa.
O caso julgado
A Primeira Câmara Cível do TJAM, sob relatoria do desembargador Flávio Humberto Pascarelli Lopes, analisou apelação do Banco BMG S/A contra sentença da 20ª Vara Cível de Manaus que havia declarado a nulidade de contrato de cartão de crédito consignado, convertendo-o em empréstimo consignado comum. A decisão de primeiro grau determinara a devolução em dobro das parcelas descontadas, além de fixar em R$ 10 mil a compensação por danos morais.
O banco sustentava que a contratação fora válida, que o consumidor utilizara o cartão e que não haveria prova de conduta irregular. Subsidiariamente, pedia que os valores sacados fossem compensados e que o montante do dano moral fosse reduzido.
IRDR como parâmetro obrigatório
Ao analisar o recurso, o relator ressaltou que a matéria já foi pacificada pelo Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n.º 0005217-75.2019.8.04.0000, no qual o TJAM fixou critérios objetivos para aferir a validade de contratos de cartão consignado: redação clara, meios de quitação, forma de acesso às faturas, destaque de que apenas o valor mínimo seria descontado em folha, ciência sobre encargos rotativos, assinatura em todas as páginas e entrega de cópia ao consumidor.
No caso concreto, diversas exigências não foram atendidas: ausência de informações sobre desconto mínimo e encargos rotativos, falta de entrega de cópia contratual e ausência de assinatura em todas as páginas. Por isso, prevaleceu a nulidade do contrato, com sua conversão em empréstimo consignado simples, conforme prevê o art. 170 do Código Civil.
Dano moral presumido
O colegiado manteve também a condenação por danos morais, entendendo que a cobrança baseada em contrato inválido configura violação de dever legal, o que atrai a presunção de lesão in re ipsa. O valor de R$ 10 mil foi considerado compatível com a jurisprudência da Corte, equilibrando caráter compensatório e função pedagógica.
Compensação como limite à restituição
A inovação esteve no ponto acolhido do recurso do banco: o relator determinou que, na apuração do indébito, fossem abatidos os valores efetivamente recebidos pelo consumidor. A devolução em dobro incide apenas sobre o que excedeu ao que seria devido na modalidade de empréstimo consignado.
Com isso, o tribunal harmonizou o direito do consumidor à reparação integral com a vedação ao enriquecimento indevido, delimitando o alcance da restituição em dobro prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC.
Processo: Apelação Cível n.º 0494709-34.2024.8.04.0001
