“A posse não se legitima pela mera permanência no imóvel ou por vínculos afetivos; ela exige causa jurídica válida. Ausente o justo título, a ocupação converte-se em esbulho”, destacou o juiz ao fundamentar a sentença que determinou a reintegração de posse em favor da legítima possuidora de um imóvel urbano.
A decisão foi proferida pela 1ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho de Manaus e envolveu disputa pela posse de um bem cuja ocupação se deu após o falecimento da antiga locatária. O caso foi encerrado com sentença do Juiz Cid da Veiga Soares Júnior.
A autora da ação, proprietária formal do imóvel, havia cedido o uso do bem à mãe do réu mediante contrato verbal de locação, relação que perdurou por mais de nove anos. Com a morte da inquilina, o filho permaneceu no imóvel, alegando ter recebido o bem por doação da genitora — argumento que não foi comprovado judicialmente.
Para o juízo, a ausência de justo título, como escritura pública ou outro instrumento formal de transferência de posse ou propriedade, inviabiliza o reconhecimento da boa-fé e converte a ocupação em posse injusta, ou seja, em esbulho possessório.
Com base no artigo 1.210 do Código Civil, a autora teve reconhecido o direito de defesa da posse por meio da ação judicial de reintegração, uma das formas previstas na legislação para proteger o vínculo direto e legítimo com o bem.
A sentença também destacou que, nos termos do artigo 373, II, do Código de Processo Civil, caberia ao réu o ônus de demonstrar a existência de fato impeditivo ou modificativo do direito da autora — o que não ocorreu. A alegada doação não foi acompanhada de qualquer prova documental, sendo rechaçada em juízo diante da comprovação da posse anterior da autora e da resistência do réu em desocupar o imóvel após notificação.
“Mesmo que houvesse a intenção de doação, ela não se formalizou nos termos exigidos pela legislação civil. A posse não se transmite por herança informal nem se sustenta por alegações afetivas sem respaldo legal”, reforçou o magistrado.
Além de determinar a reintegração, a decisão condenou o ocupante ao pagamento de R$ 5.400,00 em indenização por danos materiais, correspondentes a aluguéis vencidos desde a ciência do esbulho. A pretensão de reparação por danos morais foi indeferida, com base no entendimento de que os dissabores enfrentados não ultrapassaram os limites do aborrecimento ordinário.
Processo n. 0695177-82.2022.8.04.0001