Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida em 2020 na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5447, continua tendo efeitos práticos na vida de pescadores artesanais da região Norte.
Naquele ano, o STF declarou a inconstitucionalidade da Portaria Interministerial nº 192/2015, que havia suspendido o período de defeso no Amazonas no biênio 2015/2016. Com isso, ficou restabelecido o direito ao seguro-defeso, benefício pago a quem vive da pesca durante a época em que a atividade foi proibida para a preservação dos peixes regionais.
Ao julgar a ação, o STF também rejeitou a chamada “modulação de efeitos” — ou seja, a decisão vale de forma retroativa, como se a portaria jamais tivesse existido. Isso significa que o Poder Público passou a ser responsável por pagar o seguro-defeso mesmo nos meses em que a pesca foi liberada irregularmente.
Esse entendimento serviu de base para uma sentença recente da Justiça Federal do Amazonas, no processo nº 1042938-88.2024.4.01.3200. No caso, a autora, pescadora artesanal de longa data, alegou não ter recebido as quatro parcelas de seguro-defeso relativas ao período 2015/2016, mesmo cumprindo os requisitos legais.
Sentença da Juíza Rossana Tavares, do Juizado Federal no Amazonas, rejeitou os argumentos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que sustentava que o benefício não poderia mais ser cobrado por estar prescrito. Segundo a magistrada, o direito só passou a ser exigível após a publicação do julgamento do STF em agosto de 2020, quando ficou claro que a suspensão do defeso havia sido inconstitucional.
Na sentença, a juíza determinou que o INSS analise o pedido da autora e, se for o caso, pague as parcelas do seguro-defeso referentes ao período questionado, ficando proibido de negar o benefício com base na portaria de 2015 ou em prescrição anterior à decisão do STF.
O processo foi julgado parcialmente procedente, e a sentença ainda fixou prazo de 90 dias para cumprimento. Caso o INSS não atenda à decisão nesse período, poderá ser multado em R$ 3 mil.
O INSS ainda tenta reverter essa decisão, por meio de recurso judicial que será analisado pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Amazonas. No recurso, o Instituto alega falta de interesse de agir, ausência de documentos e validade da prescrição — teses, até então, afastadas pela referida sentença, com base no julgamento do STF.
O caso segue em tramitação, mas representa um precedente importante para pescadores artesanais que, mesmo após anos, ainda buscam reparação por terem sido privados de um direito fundamental por força de uma norma que vigeu, mas foi declarada inconstitucional.
PROCESSO: 1042938-88.2024.4.01.3200