Justiça reconhece posse e reintegra área urbana à comunidade indígena no Tarumã-Açu, em Manaus

Justiça reconhece posse e reintegra área urbana à comunidade indígena no Tarumã-Açu, em Manaus

Sentença da 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Amazonas reconheceu a posse tradicional de família indígena da etnia Karapanã sobre área localizada na comunidade Yupirunga, no Balneário Prainha, às margens do rio Tarumã-Açu, em Manaus, e determinou a reintegração definitiva dessa porção territorial diante do esbulho praticado por particulares com apoio indevido de agentes públicos estaduais.

A sentença define pela configuração de posse indígena em contexto urbano, compatibilizando o regime constitucional de proteção aos povos originários com institutos civis como a usucapião extraordinária e as regras gerais de tutela possessória.

Fenômeno jurídico central: posse tradicional indígena em área urbana

Embora a área não seja terra indígena demarcada, o juízo reconheceu que a família Karapanã exerce sobre o local posse tradicional contínua, pacífica e ininterrupta por cerca de duas décadas, usando-o para moradia, cultivo, pesca de subsistência e reprodução social.

Esse elemento foi decisivo para a magistrada, que destacou que a tutela constitucional indígena não se extingue pelo fato de a ocupação ocorrer em zona urbana: “O direito à posse das comunidades tradicionais deve ser compatibilizado com as regras de usucapião, haja vista se tratar de imóvel urbano, sem prejuízo da proteção reforçada decorrente da Convenção 169 da OIT e da Constituição Federal.”

Laudo Antropológico do MPF  juntado aos autos, demonstrou que o território cumpria papel essencial de acolhimento, subsistência e afirmação identitária, caracterizando dimensão cultural do território tradicional.

Esbulho comprovado e atuação indevida de agentes do Estado

A ação narrava — e a instrução confirmou — que os réus construíram um muro de mais de 1,5 metro, bloquearam o acesso ao igapó, derrubaram árvores frutíferas e plantas medicinais, e avançaram sobre a área apesar de advertências da comunidade e da FUNAI.

Além disso, policiais civis, em viatura oficial e armados, compareceram ao local para proteger a continuidade da obra, o que forçou os indígenas a se refugiarem em casa. A recusa de registro de ocorrência e a oferta indevida de serviços de advocacia por um servidor público foram consideradas indicadores de desvio de função e acobertamento estatal.

Para o juízo, esses elementos evidenciam conduta ilícita múltipla.“A invasão, a construção do muro e a presença ostensiva de policiais configuraram grave ato ilícito, gerador de abalo psicológico, violação ao direito de ir e vir e constrangimento ilegal.”

Reintegração parcial da área e delimitação proporcional

Embora o MPF defendesse a totalidade da área como de uso tradicional, a juíza definiu um critério de proporcionalidade baseado na natureza urbana do imóvel; capacidade econômica da família para manutenção da área, analogia extraída da usucapião extraordinária; preservação das zonas ambiental e culturalmente relevantes.

Assim, reconheceu a posse da família Karapanã sobre a moradia da matriarca indígena,  mais 30% do terreno, com delimitação a ser realizada em cumprimento de sentença, resguardando acesso ao rio Tarumã-Açu, frutíferas remanescentes e o igapó de subsistência.

Indenizações: danos morais, danos materiais e condenação do Estado

A sentença estabeleceu condenações expressivas:  Danos morais – R$ 30 mil (réus particulares) pelos constrangimentos, ameaças, presença de policiais armados e abalo psicológico.  Danos materiais – R$ 20 mil, pelo corte de 62 árvores frutíferas e plantas medicinais, destruição parcial do igapó e prejuízos ao modo de subsistência, danos morais coletivos – R$ 30 mil (Estado do Amazonas) pela atuação irregular de agentes públicos, reforçando o esbulho.

Os valores serão pagos em nome da matriarca indígena. A sentença determina proibição de novas intervenções e proteção continuada. Os réus foram proibidos de realizar novas obras; derrubada de árvores; obstrução do igapó; ou qualquer forma de constrangimento para aquisição da posse.

Processo 1001421-50.2017.4.01.3200

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