A cena se repete nos balcões das agências bancárias, mas raramente chega ao Judiciário com tamanha clareza: uma aposentada, de 69 anos, habituada a quitar suas dívidas com disciplina e até antecipando parcelas de empréstimo, foi surpreendida ao ouvir do caixa que seu contrato já não estava mais ali. O banco o havia “cedido” a outra instituição, sem aviso, sem explicação, sem qualquer documento que lhe desse segurança. Restaram-lhe a angústia, a sensação de abandono e a dúvida sobre quem, afinal, era o seu credor.
Foi essa experiência, marcada por um silêncio que se converteu em violação ao dever de informação, que levou o autor à Vara Cível de Manaus. A ação foi ajuizada contra o Banco BMG e o Banco Agibank, apontando falha na prestação de serviços, onerosidade excessiva e abalo moral.
A falha na informação
No processo, a autora relatou ter contratado empréstimo consignado de R$ 15.641,59, a ser pago em 84 parcelas de R$ 424,20. A operação comprometeu mais de um terço de sua renda mensal e, além disso, passou a gerar descontos adicionais de R$ 38,84 sob a rubrica de “empréstimo sobre a RMC”. Ainda assim, buscava reduzir a dívida com pagamentos antecipados por boletos.
Foi quando, ao tentar quitar novas parcelas, descobriu que o contrato havia sido cedido ao Agibank — sem prévia comunicação. Ao procurar a nova instituição, encontrou portas fechadas: não lhe foram apresentados relatórios, extratos ou histórico de quitação. Restou sem transparência sobre saldo devedor e sem a possibilidade de manter o adimplemento da forma praticada até então.
A tese do juízo
Na sentença, o juiz Manuel Amaro de Lima reconheceu que o caso traduz violação aos princípios da informação e da transparência previstos no Código de Defesa do Consumidor, agravada pela hipervulnerabilidade da autora, idosa e dependente de benefício previdenciário.
O magistrado destacou que, embora a cessão de crédito seja válida entre instituições financeiras, o art. 290 do Código Civil impõe que só produz efeitos contra o devedor quando este é notificado. A omissão das rés não apenas gerou insegurança, mas também colocou a consumidora em risco de ser considerada inadimplente, inclusive com possível inscrição em cadastros restritivos.
“Se tal dever já se impõe nas relações contratuais paritárias, com maior razão deve ser observado nas relações de consumo”, registrou o juiz, ao enfatizar a exigência de probidade e boa-fé (art. 422 do CC).
A condenação
A decisão julgou procedente a ação e impôs duas obrigações centrais: Exibir à autora o termo de cessão de crédito e relatório completo do contrato, discriminando parcelas pagas, vincendas e saldo devedor, no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 500, limitada a R$ 20 mil; pagar indenização de R$ 5 mil por danos morais, quantia arbitrada segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade, para compensar o sofrimento da consumidora e coibir a repetição da conduta.
Além disso, os bancos foram condenados solidariamente ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação.
A sentença reafirma que, em operações de cessão de crédito, não basta a formalidade entre instituições financeiras. O dever de informação ao consumidor é requisito de validade para a produção de efeitos perante o devedor, sob pena de se instalar insegurança contratual e violação à boa-fé objetiva.
Processo n. 0627409-08.2023.8.04.0001
