Embora o texto oficial ainda não tenha chegado ao Congresso, a proposta de reforma administrativa preparada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) já movimenta o debate público e jurídico.
O pacote, segundo o relator, será desmembrado em três frentes: uma PEC, um projeto de lei complementar e um ordinário, com cerca de 70 medidas. A justificativa central é ampliar a produtividade do Estado, mas entidades representativas de servidores falam em precarização, alegando que o desenho atinge pilares estruturantes do regime jurídico único — ingresso, estabilidade e progressão funcional.
Ingresso, Estágio Probatório e Concurso Público
Um dos pontos mais sensíveis é a transformação do estágio probatório em mecanismo efetivo de seleção, afastando a ideia de mera formalidade. Dados oficiais apontam que apenas 0,19% dos servidores foram reprovados entre 2014 e 2024. Com a mudança, o desligamento poderá ocorrer em caso de desempenho insuficiente, convertendo o probatório em extensão do concurso público. Estados e municípios terão prazo de até dez anos para adequação de suas tabelas de vencimentos ao padrão federal.
A proposta ainda abre espaço para ingresso direto em níveis intermediários da carreira, reduzindo a ascensão gradual e suscitando receio de que critérios políticos substituam a impessoalidade do concurso. Para sindicatos, o modelo fere a isonomia do acesso e amplia brechas para favorecimentos.
Salário Inicial Reduzido e Carreiras Alongadas
O projeto prevê que o salário de entrada seja limitado a 50% do teto da carreira, impondo trajetória mais lenta até o topo. Na prática, cria-se uma escadaria de progressões mais longas. Segundo especialistas a medida só teria legitimidade se amparada em avaliações objetivas e transparentes; do contrário, gera desmotivação e sentimento de injustiça.
Temporários e Bônus de Desempenho
A reforma também regulamenta contratos temporários, hoje utilizados de forma irregular, sobretudo na educação. O texto propõe prazos máximos, quarentena entre contratações e seleção simplificada. Além disso, gestores passam a ter metas obrigatórias, e servidores poderão receber bônus anuais atrelados a resultados. Especialistas alertam que, sem métricas robustas, esse modelo pode induzir distorções, privilegiando indicadores artificiais.
Supersalários e Avaliação Obrigatória
Entre as medidas de contenção de privilégios, o anteprojeto veda a venda de férias, uniformiza verbas indenizatórias e impõe respeito ao teto constitucional para diretores de estatais não dependentes do Tesouro.
Outro ponto é a criação do Sidec (Sistema de Desenvolvimento na Carreira), que tornará a avaliação de desempenho obrigatória em todas as esferas e Poderes. Haverá fixação de metas no início do ano, feedbacks periódicos e notas com impacto direto na progressão.
Questão Jurídica em Perspectiva
Sob a ótica do Direito Administrativo, o debate envolve redesenho do regime jurídico dos servidores, com tensionamento entre os princípios da eficiência (art. 37, caput, CF) e da isonomia e impessoalidade no acesso ao serviço público (art. 37, II, CF). A constitucionalidade de pontos como ingresso em níveis intermediários e vinculação do probatório a metas subjetivas deve ser alvo de intenso escrutínio judicial, caso o texto seja aprovado.
A discussão também dialoga com a jurisprudência do STF sobre supersalários e com a linha do STJ que condiciona políticas remuneratórias à observância estrita da lei e da moralidade administrativa.