Em decisão que reacende memórias da Guerra Fria e da antiga Doutrina Monroe, o ex-presidente Donald Trump confirmou ter autorizado a CIA a realizar operações secretas e letais na Venezuela, com o objetivo de remover Nicolás Maduro do poder.
A revelação, publicada pelo The New York Times e confirmada pelo próprio republicano, insere-se em uma estratégia de pressão militar e de inteligência para asfixiar o regime chavista — repetindo métodos historicamente associados à intervenção dos Estados Unidos na América Latina.
Fontes ligadas à Casa Branca afirmam que o plano é coordenado com o general Dan Caine, chefe do Estado-Maior Conjunto, e inclui ações clandestinas, incursões aéreas e possível captura de Maduro. Segundo interlocutores próximos, Trump teria dado à agência autonomia para operar dentro da Venezuela ou em conjunto com forças armadas, sem necessidade de aprovação prévia do Congresso.
O modelo se assemelha ao ataque de 2020, que resultou na morte do general iraniano Qassim Suleimani, e marca a consolidação de uma política externa de natureza ofensiva e extralegal.
Violação constitucional e o poder de guerra
A Constituição dos Estados Unidos, no artigo I, seção 8, é clara ao reservar ao Congresso o poder exclusivo de declarar guerra. Ao autorizar operações letais e unilaterais em território estrangeiro sem essa anuência, Trump ultrapassa os limites do poder executivo e cria um precedente perigoso: o de transformar a luta contra o narcotráfico ou o terrorismo em instrumento de guerra permanente, sem controle democrático.
A justificativa oficial — de que as ações se enquadrariam em “operações de segurança contra o tráfico de drogas” — tenta contornar essa limitação. Mas especialistas lembram que a ausência de ameaça direta às forças americanas inviabiliza qualquer alegação de legítima defesa.Na prática, trata-se de um ato de agressão não autorizado, violando tanto a Constituição dos EUA quanto o direito internacional público, consagrado no artigo 2º, §4º da Carta da ONU, que proíbe o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de outro Estado.
Doutrina Monroe reeditada
Ao priorizar uma estratégia de “pressão total” sobre Caracas, Trump ressuscita o espírito da Doutrina Monroe (1823) — o velho lema “América para os americanos”, que justificou intervenções diretas dos EUA em regimes latino-americanos ao longo do século XX.
A diferença é que, agora, a retórica é revestida de combate ao narcotráfico e à corrupção, mas o conteúdo permanece: controle geopolítico da região e proteção de interesses estratégicos sobre petróleo e influência militar.
A Venezuela, com as maiores reservas de petróleo do planeta, volta a ocupar o papel de laboratório da política de força americana. Maduro reagiu acusando os EUA de tentativa de golpe patrocinada pela CIA, evocando os exemplos do Afeganistão, Irã e Iraque, e denunciando o que chamou de “guerra seletiva no Caribe”.
Entre o realismo e a ilegalidade
Do ponto de vista jurídico, a autorização para a CIA operar na Venezuela abre uma zona cinzenta entre espionagem e guerra. Sob a doutrina da “guerra ao narcotráfico”, o governo Trump tenta converter operações clandestinas de inteligência em ações armadas de fato, sem observar os ritos legais de autorização legislativa ou cooperação internacional.
Esse modelo de política externa — unilateral, militarizada e econômica ao mesmo tempo — combina a linguagem da segurança nacional com violações claras ao princípio da soberania dos povos, o mesmo que a diplomacia brasileira e latino-americana historicamente defendem.
O retorno do porrete
A ofensiva contra Maduro simboliza o retorno do porrete como instrumento de diplomacia americana. Mais do que derrubar um ditador, o gesto de Trump serve para reafirmar o poder de coerção dos EUA sobre seus vizinhos e enviar um recado estratégico à América Latina: a era das negociações multilaterais dá lugar ao uso direto da força, legitimado pelo discurso do “inimigo interno regional”.
Se confirmadas, as operações representarão a maior violação da soberania latino-americana desde a invasão do Panamá (1989). No plano jurídico, instauram uma contradição fundamental: um governo que viola seu próprio sistema constitucional para restaurar, à força, a democracia em outro país.