O Desembargador Délcio Luís Santos, do Tribunal de Justiça do Amazonas, ao avaliar uma denúncia lançada contra o Promotor de Justiça Roberto Nogueira, do Ministério Público local, negou, de plano, que os fatos narrados contra o promotor se configurassem em crimes militares. O Promotor foi acusado dos crimes de calúnia contra a honra de militares e o de ofensa às forças armadas, ambos previstos no Código Penal Militar. Segundo o Relator, a denúncia então lançada pela Procuradora Geral Lêda Mara Albuquerque não poderia subsistir.
Em momento algum, o Promotor de Justiça teria praticado as condutas na presença dos oficiais do Exército brasileiro, e suas declarações, ditas com conteúdo penal na denúncia, foram noticiadas em sede de procedimento instaurado internamente e outra em grupo de WhatssApp, sem as circunstâncias descritas para a configuração do crime militar, como exigido na lei específica.
Nogueira teria acusado militares do Exército, em Tefé, de sofrer tortura nas instalações militares. A afirmação foi formulada pelo Promotor em documento interno do MPAM e os fatos imputados tiveram a data de 06 de março de 2019. A denúncia foi recebida apenas como crime de calúnia perpetrado contra as vítimas.
Na denúncia lançada contra Roberto Nogueira, a Procuradoria Geral de Justiça lançou as acusações dos crimes de calúnia contra oficiais do Exército Brasileiro e de ofensa às Forças Armadas, concorrentemente. Ao proceder a desclassificação, o Relator firmou a competência do Tribunal de Justiça para o processo e julgamento da causa.
De acordo com o Ministério Público, o acusado, além de ter imputado a militares a prática de condutas penais que se resumiriam em calúnia contra militares, também acusou que o Promotor teria incidido em propagação de ofensa às Forças Armadas. Esse último tipo penal está previsto no CPM como propalar fatos, que sabe inverídicos, capazes de ofender a dignidade ou abalar o crédito das forças armadas.
Ao rechaçar a manutenção dos tipos penais impostos ao Promotor, o relator firmou que as declarações imputadas possam ter a capacidade de se configurar em crime contra a honra, especificamente o crime de calúnia, porém não os crimes militares perseguidos.
Para o Relator, a interpretação a ser dada a crimes militares, praticados em tempo de paz, por civis, deve ser restrita. A conduta, para ser considerada crime contra militar em função de natureza militar, deve ser praticada no momento em que o servidor encontra-se desempenhando as suas atividades e não apenas em virtude dessas atividades. O caso examinado não esteve alcançado por essas circunstâncias, concluiu a decisão.
Também foi avaliado a defesa do Promotor de Justiça que alegou que na época dos fatos não estava estabilizado em suas faculdades psíquicas e sob o pleno domínio de suas emoções e reações, face a problemas graves que atravessou. A alegação foi rejeitada. Na decisão consta que essa circunstância exige dilação probatória e um incidente processual específico. A denúncia foi recebida, somente em relação a suposta calúnia, porém, como crime comum e não como crime militar.
Processo nº 4006889-16.2020.8.04.0000
Leia a decisão:
AÇÃO PENAL – PROCEDIMENTO ORDINÁRIO Denunciante: Ministério Público do Estado do Amazonas. AÇÃO PENAL – PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. EMENTA: “INQUÉRITO PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIME MILITAR. PRELIMINAR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ART. 96, III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. READEQUAÇÃO TÍPICA. EMENDATIO LIBELLI. ART. 383, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – CPP. EXCEPCIONAL UTILIZAÇÃO EM FASE LIMIAR DO FEITO. RECLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE CALÚNIA. ART. 138, DO CÓDIGO PENAL. JUÍZO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PRESENÇA DOS ELEMENTOS CONSTANTES DO ART. 41, DO CPP. AUSÊNCIA DAS CAUSA DE REJEIÇÃO DO ART. 395, DO CPP. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. 1. A Constituição de República é sufi cientemente clara ao determinar a competência de acordo com a esfera federativa à qual integra o parquet, conforme é possível concluir da leitura conjunta de seus arts. 96, III e 108, I, a; 2. A emendatio libelli, prevista no art. 383, do CPP, o qual, em princípio, somente deveria ocorrer após o término da instrução criminal, na sentença ou em momento imediatamente anterior. Contudo, a jurisprudência reconhece que, excepcionalmente, é possível determinar a realização da emendatio libelli quando do despacho inicial da ação penal, destacadamente em situações nas quais a capitulação indevida impede o gozo de benefícios penais e processuais por parte do acusado – inclusive em relação ao procedimento – e para fins de adequada determinação da competência; 3. De acordo com o Ministério Público, o réu teria dado duas declarações que, supostamente, respectivamente poderiam ser enquadradas aos arts. 214 e 219, do CPM. A primeira teria sido formalizada por meio de ofício n.º 11.2019.01PROM_ALV0297576.2019.001246, no âmbito do procedimento interno SEI n.º 2019.001246, amoldável, segundo o parquet, ao tipo penal previsto no art. 214, do CPM. Já a segunda declaração teria sido publicada em grupo de WhatsApp denominado “Amazonasjur”, o qual seria integrado por diversos agentes públicos. Nesse ocasião, segundo narra a denúncia, teria o réu propagado alegações falsas e com aptidão para ofender a diginidade ou abalar o crédito das Forças Armadas, praticado, em tese, o crime previsto no art. 219, do CPM; 4. A qualifi cação de determinada conduta como crime militar demanda seu enquadramento nas hipótese constantes do art. 9º, do CPM. Mais especifi camente, considerando a qualidade de civil do réu, deve-se estudar o caso levando em consideração o disposto no inciso III, d, da referida regra, na forma apontada pelo Ministério Público; 5. No caso dos autos, a conduta qualificada como criminosa por parte do Ministério Público ou seja, a imputação falsa de crime e de propalação de fato ofensivo, não foi praticada nas circunstâncias descritas no art. 9º, III, do CPM, em qualquer de seus incisos. Isso porque consta da denúncia a narrativa de que as declarações foram dadas em sede do procedimento interno SEI n.º 2019.0001246, instaurado no âmbito do próprio Ministério Público, e em grupo de Whatsapp do qual faziam parte diversos agentes públicos. Logo, em momento algum se relata ter o réu praticado ascondutas na presença dos oficiais do Exército Brasileiro, mas tão somente que suas declarações dizem respeito ao desempenho da função de militar de modo ilícito; 6. As declarações imputadas ao réu são, em tese, capazes de serem confi guradas como crime contra a honra de ofi ciais do Exército Brasileiro, especifi camente o crime de calúnia, descrito no art. 138; 7. A análise acerca da imputabilidade do agente é matéria que demandará dilação probatória no momento adequado, com eventual abertura de incidente de sanidade mental, nos termos do art. 149, do CPP, acaso preenchidos os requisitos legais necessários para sua defl agração; 8. Na etapa em que se realiza o recebimento da denúncia o Juízo realiza cognição sumária, vigendo o princípio do in dubio pro societate. Precedentes; 9. Ausentes as hipóteses arroladas no art. 395, do CPP, é imperioso o recebimento da denúncia em relação ao delito inscrito no art. 138, do Código Penal; 10. Denúncia recebida em relação às condutas tipifi cadas no art. 138, do Código Penal. ACÓRDÃO: “Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Senhores Desmbargadores, por unanimidade, em receber a denúncia em relação às condutas tipifi cadas no art. 138, do Código Penal, nos termos do voto do relator, que passa a integrar o julgado”. DECISÃO: “Por unanimidade, o Egrégio Tribunal Pleno decidiu receber a denúncia em relação às condutas tipifi cadas no art. 138, do Código Penal, nos termos do voto do relator. Julgado”. VOTARAM: Exmos. Srs. Desdores. Délcio Luís Santos, Relator, Abraham Peixoto Campos Filho, Onilza Abreu Gerth, Cezar Luiz Bandiera, Mirza Telma de Oliveira Cunha, Luiza Cristina Nascimento da Costa Marques, Henrique Veiga Lima, João de Jesus Abdala Simões, Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura, Domingos Jorge Chalub Pereira, Yedo Simões de Oliveira, Flávio Humberto Pascarelli Lopes, Cláudio César Ramalheira Roessing, Carla Maria Santos dos Reis, Lafayette Carneiro Vieira Júnior, Airton Luís Corrêa Gentil, José Hamilton Saraiva dos Santos, Anselmo Chíxaro e Joana dos Santos Meirelles. Observações: Ausências justificadas: Desdores. Paulo César Caminha e Lima, Jorge Manoel Lopes Lins, Elci Simões de Oliveira e Vânia Maria Marques Marinho. Impedido: Desdores. Maria das Graças Pessoa Figueiredo e Jomar Ricardo Saunders Fernandes. Sessão Ordinária do Egrégio Tribunal Pleno do Tribunal do Estado do Amazonas, realizada no dia 28 de fevereiro de 2023. Secretaria do Tribunal Pleno, em Manaus, 08 de março de 2023