TJAM reforça que interrupções de serviço essencial revelam o risco da atividade e impõem à concessionária o dever de adotar medidas preventivas eficazes.
O caso chegou à 3ª Câmara Cível do TJAM por meio da Apelação Cível nº 0600473-54.2022.8.04.4600, em que o consumidor buscava a majoração de indenização fixada em apenas R$ 1 mil. O relator, desembargador Lafayette Carneiro Vieira Júnior, reconheceu a gravidade da falha e majorou a indenização para R$ 5 mil, destacando que a empresa “não comprovou a existência de fato extintivo ou modificativo do direito do autor, tampouco excludente de responsabilidade”.
Segundo a decisão, a interrupção prolongada de serviços essenciais, especialmente quando decorrente do descumprimento do dever de prevenção, deve ser reconhecida como expressão do risco inerente à atividade empresarial.
Para os Desembargadores do Amazonas, o fenômeno é próprio das relações de consumo, envolvendo concessionárias de energia elétrica. Esses casos, narra o documento, exigem a imposição da lógica da responsabilidade objetiva e projeta sobre o prestador de serviço o ônus de evitar danos previsíveis, em conformidade com o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor e o art. 37, §6º, da Constituição Federal.
Em tais hipóteses, a falha não se resume à interrupção em si, mas ao comportamento omissivo da empresa diante de riscos previsíveis, cujo controle lhe cabia técnica e administrativamente. O dever de prevenir — que integra o núcleo da boa-fé e da função social da atividade econômica — impõe ao fornecedor o dever jurídico de adotar medidas eficazes para evitar a reiteração de danos, sob pena de responder não apenas pela falha, mas pelo descumprimento de sua obrigação de segurança.
Foi à luz desse entendimento que o Tribunal de Justiça do Amazonas analisou, por meio de julgamento de recurso de apelação, controvérsia envolvendo o fornecimento de energia elétrica no município de Iranduba, onde consumidores enfrentaram nove dias consecutivos de apagão, sem que a concessionária apresentasse plano de ação ou providências concretas para restabelecer o serviço de forma estável.
O acórdão enfatizou que a situação ultrapassou “os limites da razoabilidade”, atingindo a dignidade e a rotina dos usuários de serviço essencial, e enquadrou o episódio como caso fortuito interno, isto é, risco próprio da atividade empresarial da concessionária — o que afasta qualquer alegação de imprevisibilidade ou culpa de terceiros.
Sem se conformar, a Amazonas Energia opôs embargos de declaração com pedido de efeitos modificativos, alegando omissão no julgado. No entanto, o relator rejeitou o recurso, apontando a ausência de vício e o caráter meramente protelatório do pedido, aplicando multa de 1% sobre o valor da causa, nos termos do art. 1.026, §2º, do Código de Processo Civil.
“Os embargos declaratórios servem para esclarecer contradições ou suprir lacunas verificadas no acórdão — jamais para questionar a interpretação desenvolvida pelo julgador”, afirmou o magistrado, citando precedentes do STJ e do STF sobre o uso abusivo do direito de recorrer.
A decisão reafirma dois vetores essenciais da responsabilidade civil contemporânea: (1) o dever de prevenção, como desdobramento do risco da atividade; e (2) a responsabilidade processual, que pune o uso indevido dos meios recursais para retardar a tutela jurisdicional.
Ao responsabilizar a concessionária pelo descumprimento de suas obrigações preventivas e sancionar o abuso processual, o TJAM consolida um entendimento que transcende o caso concreto: a boa-fé objetiva deve orientar tanto a prestação de serviços quanto a conduta processual das empresas que os exploram.
Apelação Cível nº: 0600473-54.2022.8.04.4600