A interpretação sistemática das leis que regem as relações entre o servidor público, no âmbito do Município de Manaus, conduz à obrigatoriedade de intimação formal do funcionário público da decisão final proferida em processo administrativo disciplinar (PAD), sob pena de nulidade do ato punitivo, caso não oportunizada a interposição de recurso administrativo no prazo legal.
Esse foi o entendimento adotado pelo Juiz Ronne Frank Torres Stone, da vara da Fazenda Pública de Manaus, ao julgar procedente a ação ajuizada por servidor demitido por abandono de cargo.
O Juiz declarou a nulidade do Decreto de demissão publicado no Diário Oficial do Município em desfavor do autor, com o entendimento de vício insanável no procedimento administrativo, face a violação ao contraditório, à ampla defesa e à legislação local que regula o processo administrativo no âmbito da administração municipal.
Fundamento normativo e distinção jurisprudencial
Logo no início da sentença, o magistrado destacou que, embora a Lei Federal nº 9.784/1999 sirva de parâmetro supletivo para o processo administrativo nos entes subnacionais, ela não se sobrepõe às normas locais quando estas forem específicas, em atenção ao princípio da autonomia federativa (art. 18 da Constituição Federal).
Assim, aplicam-se prioritariamente, na esfera municipal local, a Lei Municipal nº 1.118/1971, que rege o regime jurídico dos servidores e a Lei Municipal nº 1.997/2015, que disciplina o processo administrativo e estabelece expressamente o direito ao recurso da decisão final, condicionado à intimação prévia do interessado.
Ao contrário de decisões que admitem a validade de penalidades aplicadas logo após o relatório final da comissão processante, sob o argumento de ausência de previsão legal de nova intimação, a sentença ora em exame ressalta que a legislação de Manaus exige tal formalidade como condição para início do prazo recursal.
O cerne da nulidade reconhecida
O PAD analisado teve como base a constatação de mais de 30 faltas consecutivas no período de fevereiro a setembro de 2018, o que configuraria abandono de cargo pelo servidor. A comissão processante opinou pela demissão, parecer acolhido pelo Secretário Municipal de Saúde. No entanto, conforme registrado pelo juiz, não houve qualquer intimação pessoal do servidor após essa decisão, o que impediu o exercício do direito ao recurso administrativo.
“A falta de intimação do servidor penalizado constitui violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, o que macula o procedimento administrativo, sendo passível de nulidade, posto que não fora oportunizado ao servidor recorrer da decisão”, registrou Stone ao sentenciar.
O juiz também rechaçou o argumento de que a publicação do decreto demissional no DOM supre a ausência de intimação pessoal, asseverando que isso “esvazia totalmente a finalidade precípua do autor ao direito de defesa com os meios e recursos a ela inerentes”, conforme art. 5º, LV, da CF.
Consequências jurídicas
Reconhecida a nulidade do PAD, o magistrado determinou a reintegração do autor ao cargo de Técnico em Enfermagem e declarou seu direito à percepção dos salários referentes ao período de afastamento, a serem apurados em fase de liquidação.
A sentença também concedeu os benefícios da justiça gratuita; condenou o Município ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor do proveito econômico; e determinou a atualização dos valores conforme a EC nº 113/2021, com juros da caderneta de poupança e correção monetária pelo IPCA-e até 08/12/2021 e, após essa data, pela taxa SELIC.
Autos nº: 0698356-58.2021.8.04.000