A omissão do banco em intimar pessoalmente o devedor fiduciante para purgação da mora, em procedimento de consolidação da propriedade fiduciária, configura violação ao devido processo legal e gera responsabilidade civil pelos danos materiais e morais causados, definiu o Juiz Roberto Santos Taketomi, da Vara Cível.
Foi com esse fundamento que a Justiça de Manaus julgou procedente ação indenizatória ajuizada contra o Banco Bradesco S/A, reconhecendo o dever de indenizar o consumidor privado da posse e da propriedade de imóvel alienado fiduciariamente.
De acordo com a sentença proferida pelo juiz Roberto Santos Taketomi, o banco consolidou a propriedade do imóvel situado na zona Centro-Sul de Manaus e o levou a leilão extrajudicial, sem comprovar a intimação pessoal do devedor, exigida pelo art. 26, §1º, da Lei nº 9.514/1997.
A omissão do banco já havia sido reconhecida em ação autônoma anterior, com trânsito em julgado, na qual se declarou a nulidade da consolidação e se determinou a restituição da posse. No entanto, conforme os autos, o imóvel já havia sido transferido a terceiros.
Para o magistrado, a decisão anterior constituiu “fato incontroverso” nesta nova demanda, restando analisar os prejuízos sofridos. A sentença afastou as preliminares suscitadas pela instituição financeira — ausência de interesse de agir, coisa julgada e prescrição — destacando que o pedido atual tem objeto e causa de pedir distintos da ação anterior, e que o prazo prescricional apenas se iniciou com o conhecimento da impossibilidade de reaver o imóvel.
Responsabilidade civil e fundamento legal
Com base nos arts. 186 e 927 do Código Civil, no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, e na própria Lei nº 9.514/97, o juiz reconheceu a prática de ato ilícito pela instituição bancária. Segundo a fundamentação, “não fosse a consolidação viciada, o autor poderia ter purgado a mora, mantido a propriedade do imóvel ou, ao menos, participado regularmente do leilão”.
Citando precedente do TRF1, a decisão assentou que a alienação a terceiros não impede a conversão do pedido de reintegração em perdas e danos, sendo razoável o ressarcimento de todos os valores pagos no financiamento, devidamente corrigidos.
Com base no art. 182 do Código Civil, determinou-se a restituição equivalente à impossibilidade de retorno ao status quo ante, afastando, contudo, os valores relativos à mobília e aos lucros cessantes. Para o juiz, móveis são bens de natureza pessoal e removível, não integrando a garantia fiduciária; já a cumulação com aluguéis não percebidos configuraria enriquecimento sem causa.
Dano moral reconhecido
A sentença também reconheceu o abalo à esfera extrapatrimonial do autor. “A perda irregular da moradia constitui lesão a direitos personalíssimos, atingindo a dignidade da pessoa humana em sua dimensão existencial”, frisou o magistrado, ao fixar indenização por danos morais em R$ 50 mil.
Entre os critérios adotados para quantificação estão: a gravidade da lesão, o valor do imóvel, o tempo de privação, a condição econômica das partes e o caráter pedagógico da condenação. A fundamentação também invocou os arts. 5º, incisos V e X, e 6º da Constituição Federal, como garantia da inviolabilidade da moradia, da vida privada e do direito social à habitação.
Processo nº 0027124-06.2025.8.04.1000