A falta de clareza sobre a forma de quitação da dívida e a incidência de encargos financeiros comprometeu o consentimento da consumidora e acarretou a declaração de nulidade do contrato de cartão de crédito consignado, com sua conversão em empréstimo tradicional. Com essa fundamentação, a Segunda Câmara Cível do TJAM, por maioria, deu provimento a agravo interno interposto por consumidora que alegou desconhecimento sobre a contratação.
O colegiado restabeleceu os principais efeitos da sentença de primeiro grau, reconhecendo o vício de consentimento, determinando a conversão do contrato para empréstimo consignado tradicional, a devolução em dobro dos valores descontados e a indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil.
A decisão foi proferida no julgamento do Agravo Interno Cível nº 0008015-33.2024.8.04.0000, com voto condutor do Desembargador Cezar Luiz Bandiera, que divergiu da relatora originária, Desembargadora Onilza Abreu Gerth. A magistrada havia proferido decisão monocrática em sede da Apelação Cível nº 0594539-07.2023.8.04.0001, reformando a sentença de primeiro grau que reconhecia a abusividade da contratação.
Caso envolveu indução em erro e descontos intermináveis
A autora da ação relatou que buscava contratar um empréstimo consignado com parcelas fixas, mas foi surpreendida com descontos mensais relativos a um cartão de crédito consignado, modalidade que não solicitou, não compreendeu e nunca utilizou. Alegou não ter recebido o cartão físico e não ter sido informada sobre o funcionamento do crédito rotativo, tampouco sobre os encargos aplicáveis em caso de não pagamento integral da fatura.
Em primeira instância, o Juízo da 20ª Vara Cível de Manaus, sob a titularidade do Juiz Roberto Hermidas de Aragão Filho, reconheceu o vício de consentimento e declarou a nulidade do contrato, convertendo-o em empréstimo consignado, com aplicação da taxa média de juros praticada à época. O banco foi condenado à restituição em dobro dos valores descontados indevidamente e ao pagamento de R$ 10 mil por danos morais.
Decisão monocrática reformada por ausência de informação essencial
Em sede recursal, a relatora Desembargadora Onilza Gerth considerou válidos os documentos assinados pela autora, como o termo de adesão e a autorização de desconto em folha. Segundo seu entendimento, esses elementos comprovariam o cumprimento das exigências legais sobre transparência na contratação, o que justificaria a improcedência da ação. Com isso, a sentença foi reformada por decisão individual.
Contudo, a autora interpôs agravo interno, alegando que o contrato não deixava claro como a dívida seria quitada, tampouco informava que o valor total emprestado seria cobrado já no mês seguinte. Também não havia qualquer alerta de que, em caso de não pagamento integral da fatura, incidiria cobrança automática de juros rotativos sobre o saldo devedor. Apontou ainda que o campo do contrato destinado a explicar essas condições de pagamento não foi preenchido, o que comprometeu seu entendimento sobre a natureza da operação.
Colegiado aplica IRDR e reconhece prática abusiva
Ao analisar o recurso, o Des. Cezar Luiz Bandiera ressaltou que, embora o contrato tivesse sido assinado pela consumidora, não atendia aos requisitos mínimos de clareza exigidos pelas teses 2, 3 e 4 do IRDR. Destacou que:
A consumidora não teve ciência inequívoca sobre os termos contratuais; A ausência de informações sobre a quitação e os encargos feriu o dever de informação (art. 6º, III, do CDC); A estrutura do contrato, com descontos mínimos mensais e incidência indefinida de juros, tornou a dívida impagável, configurando desequilíbrio contratual e enriquecimento sem causa; O caso envolvia vício de consentimento por erro substancial sobre o objeto do negócio, autorizando a conversão da operação com base no art. 170 do Código Civil.
Decisão impõe devolução em dobro e danos morais
O voto vencedor reformou a decisão monocrática e reconheceu a nulidade do contrato, determinando sua conversão para empréstimo consignado comum. O banco foi condenado a: Restituir em dobro os valores pagos indevidamente, com compensação de eventuais saques e correção monetária pelo INPC; Pagar R$ 5 mil por danos morais, em razão da frustração das legítimas expectativas da consumidora e da prática abusiva.
Agravo Interno Cível 0008015-33.2024.8.04.0000