MPF diz que falta transparência em negócios de carbono no Amazonas e pede suspensão do projeto

MPF diz que falta transparência em negócios de carbono no Amazonas e pede suspensão do projeto

Procuradoria relata ausência de consulta às comunidades tradicionais, perseguição de lideranças e possível violação da Convenção 169 da OIT em programa de REDD+ conduzido pela Sema/AM

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou pedido de liminar urgente para suspender o projeto de créditos de carbono (REDD+) nas Unidades de Conservação (UCs) estaduais do Amazonas, após identificar falta de transparência e ausência de consulta prévia às comunidades afetadas.

Segundo a Procuradoria, o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Meio Ambiente (Sema/AM), tem conduzido tratativas e firmado parcerias para implementação do programa sem cumprir o direito à consulta livre, prévia e informada, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e no artigo 231 da Constituição Federal.

A manifestação é assinada pelo procurador da República Fernando Merloto Soave, que apontou indícios de atuação autoritária e seletiva na condução do projeto, incluindo perseguição a lideranças comunitárias críticas à política ambiental do Estado, remoção de gestores de unidades considerados próximos das comunidades e restrição de informações sobre o conteúdo dos contratos e das empresas envolvidas.

Relatos de exclusão e intimidação

As informações reunidas na petição do MPF têm como base relatos colhidos em reunião virtual realizada em 1º de agosto de 2025, com lideranças de diversas Unidades de Conservação estaduais, como as RDS Piagaçu Purus, Rio Negro, Mamirauá, Amanã, Rio Madeira e RESEX Rio Jutaí. Segundo o documento, nenhuma das comunidades foi consultada sobre o projeto de REDD+ ou sobre seus impactos econômicos e ambientais.

De acordo com os depoimentos, gestores locais que mantinham diálogo com os comunitários foram substituídos pela Sema, e lideranças críticas ao modelo de implementação relataram isolamento e perseguições políticas. As falas também apontam ações de organizações parceiras, como a Fundação Amazônia Sustentável (FAS), na seleção de representantes alinhados à política da secretaria, inclusive em eventos internacionais como a COP30.

O MPF conclui que o cenário demonstra “ausência de consulta real e clima de intimidação nas Unidades de Conservação estaduais”, o que reforça a necessidade de intervenção judicial urgente.

Fundamento jurídico e alcance da liminar

Na petição encaminhada à Justiça Federal, o MPF sustenta que a atuação da Sema/AM fere princípios constitucionais da legalidade, publicidade e participação popular, além de violar o dever de consulta prévia previsto na Convenção 169 da OIT e na Lei nº 9.985/2000 (que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC).
O órgão argumenta que o processo conduzido pelo governo estadual não atende ao padrão mínimo de governança ambiental exigido e que as “consultas” divulgadas publicamente são meramente formais e não configuram diálogo verdadeiro com as comunidades tradicionais.

O procurador Fernando Merloto Soave afirma que a liminar é necessária para impedir a consumação de atos potencialmente nulos, uma vez que “a execução de contratos ou parcerias sem o devido consentimento das comunidades afetadas pode gerar efeitos jurídicos e econômicos irreversíveis”. Se deferida, a medida suspenderá integralmente o cronograma do programa estadual de REDD+, incluindo editais de contratação de empresas e qualquer visita técnica às comunidades.

Contradição entre discurso e prática ambiental

O MPF chama atenção para a discrepância entre o discurso público do Governo do Amazonas e a realidade constatada nas comunidades. Nos últimos meses, a Sema/AM tem divulgado amplamente o avanço do programa de créditos de carbono e o início de “consultas públicas”, inclusive em eventos internacionais como o 12º PPP Américas 2025, no Peru.

No entanto, segundo a Procuradoria, as comunidades desconhecem completamente os termos e efeitos dos projetos, o que revela violação dos princípios da boa-fé e da publicidade administrativa. Para o órgão, o governo estadual estaria promovendo um modelo de sustentabilidade “de fachada”, com exclusão deliberada das populações que deveriam ser protagonistas das políticas ambientais.

“O discurso de sustentabilidade não pode encobrir práticas de exclusão e centralização decisória. As populações tradicionais não podem ser transformadas em figurantes de políticas que as afetam diretamente”, sustenta o MPF.

O mercado de carbono e o risco de ‘colonialismo verde’

Na avaliação do Ministério Público Federal, a forma como o programa vem sendo implementado reflete um padrão de governança ambiental centrado na lógica de mercado, sem controle social efetivo. Segundo o procurador, a pressa em monetizar a floresta ameaça transformar o mercado de créditos de carbono em um novo vetor de desigualdade, em que empresas e governos negociam a floresta sem ouvir quem nela vive.

“Não se trata de convencer os povos da floresta a aceitar o mercado de carbono, mas de ouvi-los sobre o modelo de desenvolvimento que desejam construir”, alerta o MPF. O órgão também destaca o risco de violação ao princípio da autodeterminação dos povos e à soberania comunitária sobre o território, uma vez que o projeto foi estruturado sem assegurar a livre manifestação de vontade dos moradores das Unidades de Conservação.

Próximos passos

Com a manifestação, o MPF requer que a Justiça Federal conceda a liminar de forma imediata, suspendendo todos os atos administrativos da Sema/AM e das empresas contratadas, e proibindo o ingresso de técnicos nas comunidades até que as consultas sejam efetivamente realizadas e validadas pelos próprios comunitários. O órgão também pede a fixação de multa diária ao Governo do Amazonas em caso de descumprimento.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA 1040956-39.2024.4.01.3200/

Leia mais

MPF diz que falta transparência em negócios de carbono no Amazonas e pede suspensão do projeto

Procuradoria relata ausência de consulta às comunidades tradicionais, perseguição de lideranças e possível violação da Convenção 169 da OIT em programa de REDD+ conduzido...

DPE-AM apura impactos de operações com explosivos no Madeira e prepara ação de ressarcimento

Grupo “Teko Porã – Vida Digna” colheu depoimentos em Manicoré e aponta prejuízos econômicos, ambientais e psicológicos após destruição de balsas pela Polícia Federal. A...

Mais Lidas

Justiça do Amazonas garante o direito de mulher permanecer com o nome de casada após divórcio

O desembargador Flávio Humberto Pascarelli, da 3ª Câmara Cível...

Bemol é condenada por venda de mercadoria com vícios ocultos em Manaus

O Juiz George Hamilton Lins Barroso, da 22ª Vara...

Destaques

Últimas

MPF diz que falta transparência em negócios de carbono no Amazonas e pede suspensão do projeto

Procuradoria relata ausência de consulta às comunidades tradicionais, perseguição de lideranças e possível violação da Convenção 169 da OIT...

DPE-AM apura impactos de operações com explosivos no Madeira e prepara ação de ressarcimento

Grupo “Teko Porã – Vida Digna” colheu depoimentos em Manicoré e aponta prejuízos econômicos, ambientais e psicológicos após destruição...

Mulher levada do interior a Salvador é reconhecida como empregada, não filha

A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região reconheceu que uma mulher, levada ainda criança do interior para Salvador, não...

Empresa de segurança de Itabuna é condenada por impor cursos nas folgas e refeitório com ratos e baratas

A 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA) reconheceu dois danos morais em ação movida por vigilante contra...